Ao longo destes pouco mais de trinta anos a pós-graduação stricto senso influenciou de forma expressiva a produção científica no país’ contribuindo para seu crescimento.

A pós-graduação foi criada com o objetivo de preparar o professor para a atividade acadêmica, de docência e pesquisa, seja esta experimental ou clínica. Assim, o produto final da pós-graduação estrito senso é o professor pesquisador.

A importância crescente atribuída à produção de conhecimentos científicos paulatinamente deslocou o peso da avaliação para os produtos dessa atividade.

A produção científica dos docentes responde atualmente por 30% da avaliação dos programas. Os resultados da pesquisa desenvolvida são avaliados quanto à sua coerência com a linha de pesquisa, regularidade, qualidade e quantidade.

O grande desafio para a avaliação da produção continua sendo a qualidade. Tentativas tem sido feitas e gerado algumas críticas. Mais recentemente a CAPES optou por criar um sistema de classificação de periódicos científicos procurando qualificar a produção dos programas de pós- graduação. Os critérios propostos tem provocado intenso debate e até mesmo divergências na comunidade.

Funções da pesquisa científica
A pesquisa científica é uma atividade que deve satisfazer três características básicas: ser socialmente relevante, ou seja, seus resultados devem encontrar cedo ou tarde, aplicação na solução de problemas humanos; ser ética, porquanto, acima dos interesses científicos deve estar a preservação da dignidade humana; e, ser pautada no mérito, isto é, ser conduzida com rigor metodológico para que produza conhecimentos verdadeiros.

A garantia da relevância social será dada pelo impacto que os conhecimentos produzidos venham a ter na transformação da realidade na busca do aperfeiçoamento. A adequação ética será garantida pela submissão ao julgamento feito pela sociedade acerca dos procedimentos dos cientistas. A produção de conhecimentos verdadeiros depende da correta aplicação do método, mas também do julgamento interpares, ou seja, a verdade é construída e aquilatada no interior da comunidade da qual o cientista faz parte.

A publicação dos resultados das pesquisas em periódicos científicos busca cumprir uma dupla função: submeter os conhecimentos produzidos ao julgamento dos pares e criar uma comunidade de interesses em torno de determinada área de investigação.

Para cumprir com esses objetivos os periódicos necessitam contar com um sistema adequado de “peer-review” e possibilitar a divulgação ampla dos resultados facilitando desta forma a apropriação pelos outros membros da comunidade.

Assim sendo, os periódicos científicos devem ser classificados tomando-se em conta estas necessidades. Evidentemente, periódicos indexados em bases que possibilitem acesso mais amplo aos resultados devem ser mais valorizados do que aqueles cujo acesso só será permitido a uma pequena comunidade de assinantes ou de membros de determinadas instituições.

Periódicos nacionais ou internacionais
Aqui surge o primeiro problema com relação aos critérios até agora propostos, pois a abrangência da divulgação é simplesmente avaliada pelo caráter nacional ou internacional da indexação. Tendo em vista que o Brasil é um país periférico, no qual se fala e se escreve em uma das línguas mais utilizadas no mundo – em função da sua enorme população – mas exótica aos ouvidos anglo-saxãos, será que a indexação internacional significa realmente maior amplitude de divulgação?

Certamente alguns argumentarão que a construção da ciência se beneficia do diálogo internacional o quê certamente é verdadeiro. Mas, o inverso também será verdadeiro? A ciência não se beneficia de um diálogo nacional? Por quê qualificar, a priori e sistematicamente, como mais útil o diálogo externo?

Para a pesquisa estratégica, comprometida imediatamente com a solução de problemas, alguns dos quais próprios do nosso país ou mesmo de conjunto de países em condições semelhantes, esta é uma questão crucial. Ao valorizar, quase que exclusivamente a produção destinada ao mercado internacional a ciência brasileira corre o sério risco de direcionar seus esforços apenas para a solução de problemas dos outros. Para um país com poucos recursos destinados a pesquisa, o direcionamento das investigações para prioridades externas seria uma calamidade.

Outra conseqüência desastrosa decorrente dessa postura colonizada será o enfraquecimento das revistas nacionais. Os periódicos científicos, assim como, os congressos, seminários e reuniões científicas desempenham um papel crucial na criação da comunidade de interesses. A perda de expressão dos periódicos nacionais, construídos a duras penas deixará um vazio difícil de preencher na atividade cientifica brasileira.

A pesquisa brasileira
Apesar de todas as dificuldades o Brasil foi capaz de criar um parque científico e tecnológico importante, caracterizado por formar parcela significativa de seus pesquisadores dentro das próprias fronteiras, financiar com seus próprios recursos parcela não desprezível de sua produção e absorver, de modo expressivo, os pesquisadores formados no exterior, em comparação a países com situações econômicas semelhantes às nossas.

Já é hora da comunidade científica abandonar o complexo de inferioridade próprio do nosso povo e apostar na capacidade de discernimento sem permanecer submissa a valores que supõe a tornará respeitada “lá fora”.

Estas considerações refletem preocupações com um aspecto atual e de vital importância no futuro. O produto final da pós-graduação é a produção intelectual e a formação docente. Os programas de pós-graduação, na formação docente, devem estimular a criatividade, aprimorar o senso crítico e capacitar o docente a tornar-se um pólo gerador de conhecimentos. Esta produção, por sua vez, é sinônimo de publicação em revistas de qualidade. É necessário apenas se tomar cuidado na escolha dos critérios utilizados nessa avaliação.

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Texto escrito por Samir Rasslan, Rita Barradas Barata e Joaquim José Gama Rodrigues e publicado na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v.30 n.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2003