Se pensarmos em termos estritamente racionais, a vida na pós-graduação, independente qual seja essa “pós”, pode ser resumida em duas grandes questões. O primeiro corresponde aos anseios desses programas em se saírem bem nas avaliações da Capes. Avaliações que resultam naquelas famosas notas que cada programa possui (Ex: o Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense possui nota 7, conceito máximo que a Capes atribui). O segundo momento reside nas mais diversas formas que os programas dispõem para que essa avaliação seja positiva. Dentre elas, a produção acadêmica, não só de professores, mas também dos alunos.
Falemos, portanto, dessa relação mais que obrigatória entre manter um considerável quadro de produção do corpo docente e discente como forma de melhorar os resultados das avaliações promovidas pela Capes. Como aluno de pós-graduação, pretendo analisar essa relação sob o ponto de vista de quem está inserido nessa lógica e na problemática de concilia-la com o nosso objetivo principal, que é a dissertação ou a tese. Se você, caro leitor, é bolsista, assim como eu, bem vindo ao clube dos que vivenciam essa problemática sob uma ótica ainda mais complicada!
Apresentada por nossos professores ainda na graduação como espaço que servirá de síntese da nossa vida acadêmica, a Plataforma Lattes (ou Lattes, para todos nós que a consideramos como parte da família, embora nunca a entendamos completamente) pode ser encarada como retrato desse anseio imenso que toma conta das “pós” no Brasil inteiro em torno da produção quantitativa de seus integrantes.
Tem evento em setembro? Terá publicação nos Anais? E o evento de dezembro, é internacional? A revista é Qualis A1? Seu relatório de bolsa possui participação em eventos e publicação? Enfim, essas são algumas das perguntas que você irá se deparar, caso esteja ingressando em uma pós-graduação, ou já está acostumado, como eu que está no segundo ano de Mestrado. A não ser que você, leitor, chute o pau da barraca e resolva se distanciar dessa paranoia, provavelmente essas perguntas serão recorrentes no meio em que está inserido.
Enfim, o que seria um Lattes perfeito no mundo dos pós-graduandos? Seria um reflexo dessa paranoia? A concretização dessa busca maçante de produção acadêmica, de participação em eventos (embora muitos compareçam aos eventos apenas para apresentar seus respectivos trabalhos), são elementos capazes de nos levar à perfeição curricular?
Se retomarmos o que disse no início dessa coluna, vocês lembrarão que o objetivo principal de uma pós-graduação reside no produto final que será construído por orientando e orientador: tese ou dissertação, por exemplo. Com a necessidade de demonstrar a dinamização do programa e, assim, melhorar sua avalição perante a Capes, é claro que nossa participação nesse processo é essencial. Produzir é necessário. Mas, produzir com qualidade é ainda mais.
A necessidade de se estabelecer um limite entre a banalização do Lattes e sua real contribuição para nossa formação é urgente, sabemos disso. Ninguém deve passar pela “pós” sem a experiência em eventos, no qual o debate se amplia em torno do seu objeto de estudo, podendo, inclusive, contribuir para novos caminhos da sua pesquisa. Estabelecer esse limite que é a chave, o desafio, até para não publicarmos seguidamente o mesmo trabalho, modificando apenas o título da produção, e prejudicarmos o andamento do que realmente importa nessa fase.
Certamente Marcus! estabelecer limites é muito importante…principalmente a que estamos dispostos a nos submeter. Por exemplo, faz um ano que eu decidi não ir a congressos muito distantes da minha cidade. Meu programa não fornece apoio financeiro, cada vez mais esses encontros estão mais caros e nem sempre há algo que realmente contribuirá para sua formação… Então transformei essa vontade de comunicar e o investimento em publicar artigos, fazer palestras e dar cursos… Me sinto mais contente do que apresentar um poster aqui e ali… mas claro, essa questão é mais profunda e eu precisei experimentar todas as situações antes de tomar essa postura. Só um exemplo. pra dizer que o Lattes deve lhe refletir e não condicionar, eu acho.
Raiana, você tem toda razão nessa necessidade de estabelecermos limites. Não só na sua área que esse problema acontece. Acredito que seja uma questão sintomática em todas as áreas acadêmicas e que merecem nossa atenção desde já, até para não nos tornarmos meros reprodutores de conhecimento repetido, em vez de contribuirmos de fato para algum debate. Sua última frase foi perfeita: nada de ficarmos condicionados ao Lattes, mas adaptá-lo conforme os próprios anseios que temos durante a vida acadêmica.
Muito legal o texto, Marcus! Tenho a mesma percepção que você sobre esse assunto. Mas não creio que alguém (por mais que se eforce) consiga não embarcar nessa paranoia. Sempre haverá orientadores e coordenadores nos programas de pós-graduação lembrando-nos das exigências. Essa discussão é extremamente relevante (e urgente). Precisamos de formas de medir a qualidade dos trabalhos e não apenas a quantidade de publicações. Em relação aos eventos, infelizmente, vejo muita gente que enxerga apenas uma oportunidade de turismo nessas viagens. Apresentam seu trabalho (para cumprir tabela) e não se aprofundam nas discussões que acontecem no evento.
Giovani, muito obrigado pelo feedback! Seja sempre bem vindo nesse espaço para debatermos.
Enfim, sobre seu comentário, nós, como pobres pós-graduandos, certamente estamos dentro dessa paranoia e por vezes forçados pelos próprios programas a mantermos um calendário de produção. Nossa ação, embora seja limitada, tem de acontecer até mesmo para sensibilizar as coordenações que ainda insistem em ficar condicionada à esse modelo. É fácil? Jamais. Até porque, como disse à Raiana, a questão é estrutural, sintomática e que passou da hora de ser debatida com maior profundidade entre as mais diversas áreas tanto internamente como em um âmbito maior de modo a pressionar a Capes. Sobre a questão dos eventos, dessa participação apenas para conseguir certificado, merece um texto só sobre isso.rsrs
Marcus, o seu texto refletiu perfeitamente uma inquietação minha, o que vale mais: a qualidade ou a quantidade do que está no currículo Lattes? Confesso que me preocupo seriamente quando vejo pesquisadores analisando ideias de pesquisa pelo potencial de publicação que elas teriam em um periódico A1 ou de ganhar algum prêmio de renome…
Talvez eu tenha uma visão utópica, mas acredito que o principal impacto de uma produção científica deveria ser canalizado para as pessoas e não para as estatísticas. Parabéns pela abordagem! Abraço.
Maria, tenho minhas dúvidas se realmente é uma visão utópica. Acho que é uma visão que foi abandonada (se é que algum dia ela predominou de fato). Talvez um equilíbrio entre essa necessidade quantitativa e a importância de um feedback para a sociedade seja a melhor saída, conforme cada necessidade das áreas de conhecimento. Eu que agradeço pelo interesse no texto e pela gentileza em comenta-lo!!!
Vindo de encontro ao conteúdo dessa página, estou mandando um link muito importante para nós pós-graduando.
Você quer um salame inteiro ou fatias do mesmo?
Um link muito legal e ao mesmo tempo preocupante para a comunidade científica.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,darwin-e-a-pratica-da-salami-science-,1026037,0.htm
abraços
Caramba Fábio! Todos deveriam ler o texto que você sugeriu. Já entramos na pós-graduação imersos nesse ambiente “quantitativo”, infelizmente. Mas, sinceramente, não vejo como mudar isso… O sistema é muito forte!
Excelente texto!
Seu texto reflete muito as minhas inquietações!!! Principalmente pois sabemos que ao fundo a “qualidade do periódico ” é uma coisa subjetiva por isso que hoje em dia se persegue o “fator de impacto” do periódico… bem só sei que no meio dessa correria estamos nós e nossos anseios e cada vez mais está sendo marginalizado o ensino e a aprendizagem!!! Somos sim os cientistas, pesquisadores e professores do futuro mas entendo que antes de todos esses títulos somos EDUCADORES e formadores de opinião!! Que bom você consegue expor seus anseios… Excelente leitura
Melka, obrigado pela leitura atenta! Esse anseio, pelo que percebo, está longe de ser isolado.rsrs
Sobre essa questão “qualitativa”, que a Maria também mencionou, é outro nó desse problema. O Qualis Capes, que é o sistema de avaliação dos periódicos, é engessado na proposta. Medir pela quantidade, como se essa fosse sinônimo da qualidade presente nesses periódicos é um tanto quanto complicada. A saída pra isso está longe de ser resolvida nesse artigo.rsrs. Mas, como disse, tem de haver um momento em que essa questão seja melhor debatida entre os pesquisadores e, claro, nós estudantes.
Concordo com você, Marcus. Por enquanto não deixei essa paranoia tomar conta de mim, mas certamente ela paira no ambiente dos programas de pós. Acho muito importante termos essa visão crítica sobre o nosso papel como futuros docentes e pesquisadores.
Pois é Nadini. Vou buscar sempre ter essa visão crítica nos meus post até como exercício de reflexão sobre a minha vida acadêmica. Por isso o feedback de vocês é essencial, como termômetro da discussão que trago. Estou longe da paranoia, até porque eu tenho prazer nas pesquisas que faço e nos resultados que apresento. Por outro lado, estar atento é sempre necessário, como você diz, até para não nos “infectarmos” com essa síndrome.rsrs
Muito bom texto, Marcus, intitulado com a pergunta de 1 milhão de reais entre os pós-graduandos (e pós-docs, e possivelmente todo mundo conectado com a academia…). Seus textos estão me fazendo refletir bastante sobre esses aspectos polêmicos da vida acadêmica, valeu!
Olá Elisa! Queria eu ter a resposta de um milhão de reais…rsrs. Fico muito agradecido por colaborar na sua vida acadêmica! Seja sempre bem vinda a esse espaço que só tem sentido com a participação dos leitores!
Esse texto, vai para o Lattes?
Abraço
Excelente provocação Rafael. Pode ser algo a ser pensado desde que atrele produção e qualidade. Pelo feedback das dos leitores, é possível enxergar qualidade nessa produção. Abraços!
É Marcus… Eu acho que a duvida de quantidade e qualidade deveria passar pelo menos uma vez na cabeça dos pós-graduandos… Vale mais um lattes recheado ou um trabalho excelente? Fatiar o salame? To nessa paranoia nesse momento…
Daniel, acho que essa dúvida deveria ser algo recorrente entre os pós-graduandos. Entre lattes recheado e trabalho excelente? Acredito mesmo na possibilidade de você ter um bom currículo que seja coerente com sua linha de pesquisa sem deixa-lo, por outro lado, entregue às traças. Acredito que essa busca ainda deve se iniciar na graduação, com as ICs, até para facilitar esse exercício de buscar o equilíbrio entre a quantidade e a qualidade dos trabalhos.
Acredito que o ambiente acadêmico nos condiciona (tanto na condição de discente ou de docente) a essa paranóia resultante, por vezes, da concorrência acirrada que tem pairado na pós graduação. Tenho convivido com colegas que têm passado pelo processo de adoecimento físico e mental, pelas circunstâncias da busca por manter/obter um Lattes de “qualidade”, na tentativa de pelo menos considerar-se concorrente nos processos de seleção que surgem.