Trabalho em grupo sempre foi um assunto espinhoso e difícil. Durante as disciplinas, por exemplo, quem nunca teve no grupo aquele “espertinho”, cuja maior contribuição no trabalho foi ter emprestado seu valioso nome para a capa? Na pesquisa científica, os grupos não são menos controversos. Quando se lê em um trabalho “Fulano et al.”, esses colaboradores nem sempre realmente contribuíram para o trabalho final, o que é uma pena, como será discutido a seguir.
Grupos de publicação
Existem grupos de pesquisa que não são propriamente grupos de pesquisa. São grupos de publicação. Qualquer trabalho realizado por um membro do grupo leva a maior quantidade possível de nomes dos demais. Funciona na base da troca de “favores”: você coloca meu nome no seu artigo, que eu coloco seu nome no meu. Assim, os pesquisadores desse grupo publicam no atacado e, geralmente, a relação de autores desses trabalhos é semelhante à escalação de um time de futebol. Afinal, quanto mais nomes, mais pessoas devendo “favores”. Às vezes o “colaborador” participou apenas de uma coleta de dados. Às vezes, nem isso.
Desnecessário dizer que tal tipo de coisa é, no mínimo, antiética. Sem falar no risco que se corre de ser indagado por uma pesquisa que você não fez. E como na maioria desses casos a qualidade do trabalho não é relevante, o colaborador corre o risco de ser criticado por um trabalho que, se ele tivesse participado efetivamente, teria sido realizado de forma diferente. Mas como hoje somos julgados pela quantidade e não pela qualidade da nossa publicação, prepare-se para enfrentar em concursos públicos pessoas com currículos dignos de super-heróis, tamanha a capacidade do indivíduo em desdobrar-se em inúmeros trabalhos ao mesmo tempo.
Panelinhas
Outro tipo de grupo de pesquisa comum é a “panelinha”, caracterizada principalmente pelo ego super desenvolvido de seus membros. Sob o ponto de vista dos pesquisadores que fazem parte desse tipo de grupo, fora eles, não existe mais ninguém capacitado no mundo. Some a isso picuinhas, intrigas e fofocas que, francamente, não ficam bem em um grupo de pessoas instruídas.
O problema aqui é a endogenia de idéias. Ao barrar pessoas que pensam de forma diferente, aumenta-se a limitação do grupo e favorece que os pesquisadores raciocinem em círculos. São grupos de uma nota só, que estão sempre pesquisando a mesma coisa. Imaginem quantos projetos temáticos, multidisciplinares e interinstitucionais, poderiam ser realizados se os pesquisadores descessem de seus pedestais e colaborassem de fato entre si?
Grupos de pesquisa heterogêneos
Os melhores trabalhos são concebidos em grupos heterogêneos, multidisciplinares, com a participação efetiva de todos os membros em todas as partes do trabalho: planejamento, execução, análise e redação. E as maiores contribuições costumam vir de pessoas com formação profissional completamente diferente e que, por isso, possuem uma visão “de fora”.
Se você faz parte de um grupo de pesquisa assim, considere-se um(a) sortudo(a). Grupos assim são raros e contribuem muito para o crescimento e amadurecimento profissional. E é nesse tipo de grupo de pesquisa que o ocorre aquele famoso ditado do trabalho em equipe, em que o todo é maior do que a soma das partes. Não seria fantástico se esse tipo de colaboração fosse a regra por aí?
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O tema deste post foi indicado pelo @linsandre, que sempre participa do site com boas sugestões.
Bom lembrar daquele caso de plágio no Departamento de Física da USP, no ano passado. Um artigo foi objeto de contestação e, ao indagarem um dos físicos que o assinava, ele afirmou que não elaborara o artigo. Quer dizer, ao fazer parte desse tipo de prática, você também corre o risco de se envolver em situações como essa em que, além da sua falta de ética, existe uma ainda maior (um plágio) que fatalmente “respingará” em você.
KKK
Já participei em um esquema desses, não era bem um grupo heterogêneo pois todos eram da mesma área, mas o que mais evitávamos eram os lindinhos de plantão que só levam o nome e nada fazem pelo trabalho. Pelo que vi até agora as panelinhas são o caso mais típico, principalmente em certas linhas de pesquisa onde existem poucos nomes e o material de trabalho é altamente disputado.
O grupo de pesquisa que participo atualmente é bem versátil e envolve desde biólogos e médicos a arquivistas e historiadores. Acredito que essa interação amplia nossa visão e experiência. Porém, já tive a “oportunidade” de lidar com um grupo extremamente fechado e arrogante. Os orientadores se achavam os deuses na Terra e ai de quem não colocasse o título de “Dr” antes de pronunciar seu nome. Sorte que mudei de ares e estou feliz no meu novo grupo.
Medo? Não! Fobia mesmo.
Parabéns pelas colocações inteligentes neste site sobre a pós graduação no Brasil.
Li os vários materiais disponibilizados e me senti feliz por observar que outros pesquisadores também sofrem como eu, envolvida num mar de quantidade ao invés de qualidade, num poço de vaidades ao invés de humildade.
E a “escravidão” vergonhosa que os mestrandos e doutorandos tem que se sujeitar? onde são podadas suas idéias e temáticas que bem poderiam contribuir para o avanço da ciência em todas as áreas, em prol do único assunto que o Deus orientador conhece!!!!
Adorei o post.
Excelente post! Parabéns!
Faltou um tipo: o grupo de escravos, no qual os membros trabalham e escrevem o artigo ou capítulo inteiro, e só sai publicado o nome do coordenador.
É um dos mais lamentáveis, abaixo do “grupo de publicação” no quesito ética e reconhecimento profissional.
Comentando o Post da Ana, acredito que essa história de seguir as ideias do orientador não seja um fato geral. Eu participei de 6 grupos de pesquisa e em todos eles eu praticamente era obrigado a mostrar as minhas ideias, mesmo que ainda não estivessem devidamente fundamentadas ainda. E isso com certeza me ajudou muito, além de aumentar minha autoconfiança. Mas lógico que também vejo (e combato na medida do possível – especialmente encorajando meus alunos a ‘fugirem’ ou mudarem isso) grupos em que um “Deus” tem uma ideia e o trabalho dos alunos não passam de passos necessários para que ele desenvolva e mostre pra comunidade acadêmica a validade de sua ideia. Esses sim podam qualquer contribuição do aluno que não esteja indo de acordo com o que este “Deus” imagina. E se não for você a fazer aquele trabalho na IC/mestrado/doutorado, alguém vai fazer, não importa quem. Então eu particularmente não considero isso exatamente autoria, o trabalho e, de certa forma, o seu desenvolvimento, independe de quem está fazendo, independe de quem está pensando, idepende de quem está tendo a mão de obra pesada de coletar, organizar e fazer toda a estatística dos dados. É como se o projeto tivesse vida própria e o aluno não passasse de um escravo encarregado de empurrar a carruagem. É tão mais bonito e, especialmente, tão mais científico quando podemos escutar os alunos e fazê-los pensar, fazê-los exercer sua contribuição a ciência. Afinal são eles que (ainda) não estão influenciados pelo meio e podem dar contribuições de fato originais. São eles que tê energia pra mudar o que está estabelecido. São eles o nosso futuro.
Comentário extremamente lúcido!
O aluno tem que ter a liberdade para por a cara dele no artigo/pesquisa. O orientador deve mostra o caminho e dizer o que pode ser furada ou não, mas no final das contas o aluno tem que desenvolver autonomia para produzir algo de seu interesse e com a sua cara.
Parabéns pelo site!!! Idéia excelente!! Precisa patentear como inovação tecnológica, viu? rs
Eu, infelizmente, faço parte de um grupo de pesquisa onde o orientador define o projeto que você vai fazer e coloca o nome de quem ele quer. Já fiz trabalho onde tive que colocar nome de pessoas que eu sequer conhecia, porque ajudaram em parte da coleta dos dados (vulgo, pescaram junto com a grupo) a muitos e muitos anos atrás. Para piorar a situação, o orientador sequer sabe trabalhar com a técnica que nós, pós-graduandos do laboratório, sabemos. Temos que aprender uns com os outros. É como pensar que o objeto de pesquisa é “peixe” e não “bioquímica” ou “metabolismo” ou algo assim. Até gosto do meu trabalho, e me dou bem com o orientador. Mas não acho nem um pouco éticas muitas posturas do laboratório.
Não gosto de citar nomes, mas se for pra elogiar, sempre vale a pena. Sugiro que procurem o site do Prof. Dr. Gilson Volpato (sinceramente, me fugiu de qual universidade ele é). Ele é genial, tem contribuições muito legais para dar a respeito dessa estrutura dos “grupos” de pesquisa e faz palestras e mini cursos sobre redação científica que são demais.
Culpa da “tia” Capes e do “tio” CNPq, que estão preocupados com quantidade e não com qualidade.
Muito bom o post!! Parabéns. Infelizmente esse é o tipo de situação condicionada pelo “meio” acadêmico que vivemos, que, além da questão dos concursos (muito bem colocado), tem também a avaliação das instituições de ensino e a pressão de que “devemos publicar mais”. Qualidade não é o quesito mais importante.
Gostei da matéria. Mas acho que pior do que “participar” do grupo de pesquisa definitivamente é definir a autoria e ordem dos autores em um artigo colaborativo. Aproveitando um exemplo do próprio texto, aquele que “apenas participou” da coleta dos dados merece autoria? Será que sem ele o autor principal teria acesso aos dados que deram vida ao artigo? Como definir a ordem sem ofender nenhum dos autores?
Por enquanto, a fórmula que eu mais vejo dar certo é desde o início, quando o artigo ainda é uma ideia, deixar bem claro quem serão os autores e quais as contribuições que cada um dará…
E quando você faz parte de um serviço em que TODAS as pesquisas, desenvolvidas por quem que que seja, têm que contemplar como coautores o chefe, o vi-chefe, o responsável técnico, o professor da disciplina, etc. Já publiquei com pessoas que sequer conheço, nunca vi! Acho isso antiético e constrangedor. Nádia, também sou fã do professor Gilson Volpato, que faz toda diferença quando o assunto é publicação científica e esses “chunchos” que as pessoas adoram fazer. Parabéns pelo site! Muito legal mesmo!
O grande problema é o ego! É sabido que a grande maioria dos pesquisadores entra nessa área para alimentar o ego e não está interessada em encontrar a cura da AIDS simplesmente pelo bem da humanidade (você gostaria de colaborar para isso e seu nome não aparecer no paper?). O nome no paper é a única forma de mostrar que estamos fazendo alguma coisa, afinal a maior parte do trabalho é de base e com muita sorte vai ajudar a chegar em algum resultado satisfatório, provavelmente realizado por outro grupo. Muitos não vão ter nenhuma aplicação prática. Os grupos que conheço são grupos de “publicação heterogêneos”. Alguns nomes estão ali para que os artigos sejam aceitos com mais facilidade; todos sabem que um pesquisador importante, de preferência de fora do país, facilita muito a publicação. Isso não desmerece a qualidade do trabalho, mas infelizmente trabalhos feitos por meros desconhecidos brasileiros dificilmente vai sair numa revista com maior fator de impacto (admitam, é o que (quase) todos queremos!).. Tem muita coisa nesse meio que poderia melhorar… essa história dos autores é o que menos importa na minha opinião…
Você poderia ter mencionado outro grupo de pesquisa que é muito comum em áreas aplicadas como engenharias e economia.
Os grupos de consultoria.
São grupos que colocam a produção intelectual de lado. Ficam saltando de projetos de consultoria em projetos de consultoria e só ficam na universidade para aproveitar o nome e o prestigio institucional dela, sem contribuir em produção científica propriamente dita.