Serendipidade. A palavra não consta nos dicionários de língua portuguesa. Na verdade, é um aportuguesamento de Serendipity, uma palavra criada em 1754 por Horace Walpole no conto de fadas “Os três príncipes de Serendip“, cujos heróis sempre faziam descobertas acidentalmente ou apenas por sagacidade, de coisas que não procuravam.

Trata-se da “habilidade natural para fazer, por acaso, descobertas interessantes ou valiosas”. Em muitas situações, os cientistas abandonam hipóteses que não se comprovaram através do método científico.

Contudo, em outros momentos, descobertas feitas por acaso se revelam mais compensadoras do que a busca original. Muitos são os achados valiosos no campo da ciência atribuídos a esse fenômeno. Uns, de tão sensacionais, acabaram por ser remetidos ao fabulário científico. Alguns exemplos de serendipidade:

PENICILINA
O médico escocês Alexander Fleming não era nenhum grande gênio. Enquanto estudava a bactéria estafilococos em 1928, montou algumas placas com culturas de estafilococos e, veja só, saiu de férias por duas semanas. Quando retornou, notou que algumas placas haviam sido contaminadas por fungos. Ao invés de simplesmente jogar a placa fora, observou que ao redor do fundo não cresciam estafilococos. O fungo foi identificado como pertencente ao gênero Penicilium, de onde deriva o nome de penicilina dado à substância por ele produzida.

MICROONDAS
O engenheiro americano Percy Le Baron Spencer passou uma manhã de 1946 trabalhando em uma sala onde havia um magnetron. Ao pegar uma barra de chocolate que estava em seu bolso, viu que o chocolate estava derretido, apesar de a temperatura ambiente ser fria. Intrigado, no dia seguinte Spencer trouxe milho. Minutos depois, havia pipoca por todo o laboratório. O engenheiro fez várias experiências culinárias até criar os fornos de microondas em 1952.

BLOCO DE NOTAS POST-IT
Em 1970, o químico Spencer Silver procurava desenvolver uma cola forte. Em vez disso, o seu trabalho teve como resultado justamente o contrário: um aderente que não era muito pegajoso. Ao separar duas folhas de papel coladas com esse novo produto, nenhuma das duas folhas ficava com a cola. Em vista do seu objetivo, parecia uma invenção sem qualquer utilidade. Atualmente, é um dos produtos mais comuns nos escritórios.

RAIOS-X
O físico alemão Wilhelm Roentgen fazia experiências com feixes de elétrons em um tubo de descarga de gás. Roentgen percebeu que uma tela fluorescente em seu laboratório começava a brilhar quando o feixe de elétrons era ligado. Somente essa reação não era tão surpreendente: material fluorescente normalmente brilha ao reagir com radiação eletromagnética; mas o tubo de Roentgen estava rodeado com papelão grosso e preto. Roentgen colocou vários objetos entre o tubo e a tela, e ao colocar sua mão na frente do tubo, viu a silhueta de seus ossos projetada na tela fluorescente. Assim ele acabava de descobrir os raios X e uma de suas aplicações mais importantes.

VULCANIZAÇÃO
Em 1839, Charles Goodyear derrubou sem querer um pedaço de borracha misturado com enxofre dentro de um forno quente. Ao examinar o material, se deu conta de que ele ganhara algumas propriedades como força, elasticidade e resistência contra solventes. Descobria-se assim o processo de vulcanização para a borracha. A invenção tornou possível o desenvolvimento de diversas indústrias, incluindo a automobilística. Não à toa, o nome Goodyear hoje é sinônimo de pneu.

Entretanto, é preciso resistir à firme tentação de acreditar que descobertas científicas importantes que resultam de um acaso podem ser tomadas como acidente de percurso. Como disse certa vez o químico francês Louis Pasteur (1822 – 1895):

O acaso só favorece aos espíritos preparados e não prescinde da observação.