Muita gente me pergunta: Por que a Holanda? O que tem nesse país que te atraiu tanto para fazer o doutorado aí? Foi difícil escolher dentre as opções que eu tinha para o doutorado mas, depois de ponderar minhas opções e aceitar a mais interessante, fui surpreendido com uma realidade diferente de quem escolhe ser cientista: Eu tenho um emprego formal!

Para ter uma ideia do panorama brasileiro e entender o motivo da minha estranha surpresa, recomendo a palestra da Profa. Dra. Suzana Herculano-Houzel, que expõe muito bem como somos tratados no Brasil – e em boa parte do mundo. Somente Noruega, Holanda, Suécia e Dinamarca consideram seus jovens cientistas como trabalhadores. A Suécia ainda vai além com a proposta de transformar todas as atuais vagas de doutorado em contratos profissionais até 2015.

Em todas as profissões derivadas do ensino superior, o fluxo é o mesmo: o aluno entra na faculdade, gradua-se e então segue para o mercado de trabalho.  Há ainda aqueles que complementam sua formação com um mestrado. Veja que nesse cenário somos todos alunos.

O foco aqui é a aquisição de conhecimento e preparação para tornar-se um profissional qualificado, mesmo que usualmente seja mais do que isso. E se sua opção for pesquisa, isso é a formação básica requerida.

Optar pelo doutorado, independente da sua formação original, é um passo fundamental na carreira de cientista, profissional cujo trabalho é a produção de conhecimento. Aquele mesmo conhecimento que melhora a vida de todos, traz desenvolvimento para o país, gera empregos e que as universidades gabam-se tanto na hora de prestar contas à sociedade.

Se olharmos para as estatísticas em educação, a Holanda é referência em produção de conhecimento e tecnologia porém, pouca gente comenta do arcabouço educacional  e profissional daqui. Manter-se entre os líderes exige produção de conhecimento, assim como ser o maior exportador de minério exige produzir a maior quantidade deste material!

 Naturalmente que, em qualquer empresa, ter os melhores profissionais requer investimentos. Para isso, alguns anos atrás iniciou-se uma campanha de valorização do cientista como profissão na Holanda. A medida foi fundamental para que as vagas de doutorado continuassem sendo uma opção atrativa no mercado.

Tratar cientistas como verdadeiros profissionais permite acabar com todos os resquícios paternalistas e protencionistas existentes. “Pesquisa de qualidade” é o que se exige. Complicada exigência, considerando que usamos como referência os números de países no topo do ranking, entretanto, mantemos nossos profissionais desvalorizados.

Para ilustrar na prática o que digo, aqui na Holanda, tenho salário compatível com minha formação, direito a férias, “carteira assinada” e sim, pago imposto de renda e contribuo para a previdência social. Nada de absurdo nisso. Minha profissão é produzir conhecimento e para tal, tenho que estudar e trabalhar muito.

Não é luxo e nem puro investimento. É o dia a dia de um cientista! Além disso, tenho que dar aulas, divulgar meu trabalho e tenho um orientador (chefe), como qualquer doutorando. Esse conjunto de fatores tem um impacto positivo e significativo no meu trabalho.

Por fim, é esperado que eu publique e desenvolva todas as habilidades de um cientista: raciocínio crítico, gerenciamento de projetos, comunicação, liderança, criatividade, independência e muitas outras. Ao final do meu contrato de quatro anos, tenho que defender uma tese, a real contribuição para expandir o conhecimento humano.

Se os revisores – cientistas renomados, professores ou não – considerarem que atingi o grau de maturidade e experiência necessários, então sim, recebo o título de doutor. É questão de mérito! Ah, vale lembrar que posso ser demitido e, ainda, não conseguir concluir um trabalho durante meu contrato. Mas terei a experiência profissional. É importante lembrar que o próprio doutorando é quem mais ganha com o seu trabalho bem feito e reconhecido, seguido do  cientista e do grupo em questão. É o trabalho em equipe que dá vida à ciência!

Na minha sincera opinião, o Brasil tem a mesma qualificação de mão-de-obra encontrada internacionalmente. Não há motivos para o conformismo com o modelo arcaico e depreciativo existente. Não há motivos para nos considerarmos menos capacitados ou mais amadores. Nós, como profissionais comprometidos com o avanço do conhecimento, especialistas em inovar, temos todos os requisitos, sim, para exigir os direitos básicos de qualquer profissão.