Durante muito tempo, os periódicos científicos, distribuídos na forma impressa, foram subsidiados por sistemas de assinaturas ou então pelas anuidades das sociedades que os publicavam. Com a popularização da internet, além do sistema de assinaturas, surgiram também outras formas de cobrança, em que a mais comum era o pagamento para a visualização completa dos artigos científicos.
As instituições públicas de pesquisa e de fomento à pesquisa passaram então a investir quantias significativas de dinheiro para que seus pesquisadores tivessem acesso aos periódicos científicos e para consultar artigos científicos que, na maioria das vezes, eram financiados, escritos e revisados por pesquisadores destas instituições públicas.
A Capes, por exemplo, financia uma grande parcela das pesquisas científicas no Brasil e precisa desembolsar cerca de 65 milhões de dólares anuais para que mais de 300 instituições, entre universidades e instituições de pesquisa, tenham acesso a cerca de 25 mil títulos de revistas científicas por meio do Portal de Periódicos da Capes.
Esta contradição deu origem ao movimento “Open Access”, formado por pesquisadores e instituições que defendem o livre acesso aos artigos científicos. Neste modelo, os custos de editoração e de publicação são bancados pelos autores, que precisam pagar uma taxa de submissão (Article Processing Charge) para que seus artigos científicos sejam avaliados pelo periódico.
EXPLORANDO A PRESSÃO POR PUBLICAÇÕES
Foi neste cenário que surgiram revistas científicas dispostas a publicar quase qualquer texto, desde que o autor pague a taxa requerida. Estes periódicos científicos, chamados de periódicos predatórios, têm ocasionado o surgimento de pequenos impérios editoriais que exploram e lucram com a pressão excessiva por publicações sofrida pelos pesquisadores atualmente.
Se você, assim como eu, autorizou a publicação da versão em inglês do seu currículo na Plataforma Lattes, deve receber também vários e-mails destes periódicos predatórios todos os dias. São periódicos disfarçados atrás de títulos que começam com “International Journal”, “American Academy”, “International Association”, “Global Research”, “Scientific Journal” ou então atrás de títulos que intencionalmente sejam muito semelhantes aos de revistas científicas tradicionais ou de grande credibilidade.
Segundo alguns pesquisadores, existem hoje mais de quatro mil periódicos predatórios sendo publicados, o que representa, no mínimo, um quarto do número de periódicos de acesso livre. Para publicar seus artigos científicos sem muito esforço, são cobradas taxas que variam entre duzentos a três mil dólares. Em muitos casos, os autores só descobrem o “valor da fatura” após a publicação do artigo científico. Uma lista atualizada de títulos de periódicos predatórios é mantida por Jeffrey Beall, bibliotecário da Universidade do Colorado, no blog Scholarly Open Access.
A PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS FALSOS
Para expor as fragilidades da revisão por pares em periódicos científicos de acesso aberto, o biólogo e jornalista científico John Bohannon submeteu 304 versões pouco diferentes entre si de um artigo fictício, assinado por autores inexistentes, de uma instituição também fictícia, a um conjunto de periódicos que publicam em acesso aberto, com cobrança de taxa de publicação.
O artigo fictício, que tinha como tema a descoberta de um elemento químico extraído do líquen que mataria células cancerígenas, apresentava erros primários, tanto conceituais, quanto experimentais e de interpretação.
Ao final do teste, os autores fictícios tiveram 157 cartas de aceitação e 98 rejeições, ou seja, o falso artigo foi aprovado em mais da metade (61%) dos periódicos que responderam aos “autores”. Pelo privilégio da publicação, foi solicitado aos “autores” do artigo que enviassem valores que chegavam a $3,100.
Apesar destes periódicos possuírem endereços de vários países, os indianos representam cerca de um terço deles. Um mapa com os periódicos científicos que aceitaram o falso artigo pode ser conferido neste link. Algumas das grandes editoras comerciais, como a Elsevier, também tiverem periódicos que aceitaram o estudo fictício. Um periódico brasileiro também caiu na armadilha.
A boa notícia é que o periódico de acesso aberto mais prestigiado atualmente, a PLOS ONE, passou no teste, recusando o trabalho de Bohannon. A PLOS ONE pode ser considerada hoje a Science do acesso aberto, por sua importância e credibilidade.
CUIDADO COM A ESCOLHA DOS PERIÓDICOS
Os danos e prejuízos causados pelos periódicos predatórios são difíceis de quantificar. Universidades e instituições de pesquisas podem empossar pesquisadores baseados em currículos repletos de publicações frágeis. Indústrias farmacêuticas podem manipular pesquisas a fim de validar suas recomendações e pesquisadores podem ser levados por caminhos errados em suas pesquisas, baseados em artigos falsos.
Por isso, é preciso muito cuidado na escolha dos periódicos científicos, tanto para a publicação da sua pesquisa, quanto para escrever um projeto, uma revisão de literatura ou a discussão dos seus resultados. Uma lista de critérios para avaliar a seriedade das revistas científicas pode ser conferida aqui.
Interessante, vemos isso no dia a dia do mestrado, onde a pressão por publicação, acabamos desenvolvendo pesquisas de qualidade duvidosas. lembro dos artigos de disciplinas onde que a publicação tens um conceito A, a falta de publicação, B ou C,
Muito bom! É sempre bom estar atento a estas questões.
Esse post é de utilidade pública!! Impressionante o mapa que foi traçado com as submissões do artigo falso! Esse alerta que o cientista fez é sensacional… até onde vai chegar esse mercado? Será que a ciência toda não virou um grande comércio?
Outra coisa que fiquei pensando é que nossa ciência está cada vez mais globalizada, mas será que nossas pesquisas estão resolvendo problemas, propondo inovações, etc, localmente?
Muito bom!!
Muito boa a discussão. Tais ações e manipulações são extremamente catastróficas para a ciência contemporânea…
É assustador como a pressão por publicação se tornou negócio. Somos pressionados para publicar, mas nosso interesse não é desembolsar para isso 3mil dólares (como citado no texto). É claro que as editoras têm seus custos, mas isso não está passando dos limites não?
Prezados,
Interessante as questões levantadas por esse post “Cuidado com as armadilhas dos periódicos predatórios”, o qual foi tema que postei em meu blog, há praticamente 1 ano atrás, em 18 de Fevereiro de 2013, intitulado “Publicação Predatória (ou Parasita?)” (http://kuramoto.blog.br/2013/02/18/publicacao-predatoria-ou-parasita/), no qual eu traduzi uma matéria publicada no sítio “The Scientist”, em 01 de Agosto de 2012.intitulada “Predatory Publishing”. http://www.the-scientist.com/?articles.view/articleNo/32426/title/Predatory-Publishing/. É, portanto, salutar que este blog, Pósgraduando, tenha publicado essa matéria. No entanto, devo salientar, como defensor do ACESSO LIVRE, desde 2005, mais precisamente, no dia 13 de Setembro de 2005, veja matéria no sítio da RNP (https:// www. rnp.br/noticias/imprensa/2005/not-imp-050914b.html), fazer algumas correções:
Desde o final da década passada,, um grupo de cientistas vinha reclamando a necessidade de ter acesso livre às publicações científicas, dado que os custos de assinatura de algumas das mais importantes revistas científicas deixavam de ser acessadas por diversos pesquisadores, no mundo desenvolvido, especialmente, nos EUA e em países europeus, algumas bibliotecas universitárias não conseguiam mais manter as assinaturas de importantes coleções. Assim, no final do ano de 2001, esses pesquisadores e alguns outros profissionais como os bibliotecários e dirigentes de universidades se reuniram em Budapest e publicaram o documento que deu origem às duas estratégias do Acesso Livre, em inglês, Open Access, veja em http://www.budapestopenaccessinitiative.org/read. Esse documento propunha duas estratégias, a da via Dourada e a da via Verde.
A estratégia da via Dourada propunha o surgimento das publicações periódicas de acesso livre, ou seja, revistas científicas de acesso livre. A via Verde propunha a criação de repositórios institucionais com o propósito de oferecer a produção científica em acesso livre, ou seja, que os artigos científicos publicados em revistas científicas fossem depositadas por seus autores nesses repositórios de forma que a comunidade científica, como um todo, não apenas as locais mas, especialmente, a comunidade científica mundial, tivessem acesso a esses artigos livremente, via a Internet.
As duas estratégias têm sido implementadas em todo o mundo. Entretanto, segundo Stevan Harnad, as instituições/pesquisadores deveriam preiorizar a implementação da estratégia da via Verde antes da via Dourada, dado que, somente à partir do momento em que as revistas científicas comerciais tivessem se adaptado à conjuntura onde os artigos científicos nelas publicados fossem acessíveis, livremente, se poderia construir modelos de negócios capazes de fornecer publicações científicas de acesso livre.
Fato, um tanto quanto óbvio mas, que não foi observado por determinadas revisas ou editores preocupados em manter ou obter maiores lucros. Desde o final de 2012, tem se verificado o aparecimento de revistas científicas denominadas predatórias, dado que tentam se utilizar do movimento do acesso livre para ganhar publicidade e dinheiro. E, o pior, essas revistas não têm a qualidade esperada, dado que se utilizam de nomes de pesquisadores indevidamente e não oferecm a qualidade esperada de uma revista científica. Entretanto, devo enfatizar, o problema não é do acesso livre mas, de pessoas mal intencionadas que buscam se enriquecer a qualquer preço. Infelizmente, é isso o que está ocorrendo.
Paro, por aqui, pois, o tema é demasiado longo.
Um abraço.
Hélio Kuramoto
Temos coisa muito pior que os periódicos “predatórios”. Temos os pesquisadores predatórios e os políticos predatórios metidos à cientistas.
Durante milênios a ciência foi dominada e controlada pelas religiões, que impunham os seus dogmas e perseguiam os hereges.
Agora a ciência é dominada pelos políticos, que impõe as suas “mentiras convenientes” e perseguem os contrários.
Veja aí o caso do “aquecimento global”, decretado pelos políticos e martelado diariamente na imprensa predatória do mundo inteiro, inclusive com a ajuda de pretensos propagadores da verdade pré-pagos que se esforçam para buscar formas de perseguir, desacreditar e suprimir os veículos de publicação científica que não estão sob o controle desta corja.
Perdão, perdão… aquecimento global, não, já foi publicado mais um decreto através dos jornais das mentiras convenientes, agora deve-se chamar de “mudanças climáticas”. Sim, após 4 ou 5 invernos consecutivos (2009-2015; no hemisfério norte) dos mais rigorosos de que se tem notícia, então foi decretado, digo, os cabeças iluminadas “descobriram” que as emissões de carbono aquecem o planeta e também esfriam, tudo ao mesmo tempo, dependendo da conveniência do momento. Fazendo uma pequena analogia, decretaram, digo, “descobriram” que o fogo aquece e o fogo também esfria o meio em que se encontra, tudo devidamente “provado e comprovado” através de centenas de publicações em revistas científicas de “alta reputação” revisadas por pares consagrados. E, além de cortarem as verbas científicas dos hereges que não aceitam que o fogo aquece e também esfria, não vai demorar teremos também leis para encarcerá-los.
Quantas matérias esse jornalista-cabeça-iluminada-cientista John Bohannon publicou sobre o aqueci…, digo, mudanças climáticas? Tenho certeza que muitas, todas comprovando o fogo aquece e também esfria.
E agora, quem poderá nos ajudar?
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Quanto trabalho deste tal jornalista enviando artigos para mais de uma centena de “predatórios”!
Nesta história não tem inocentes. Os periódicos tradicionais criaram um verdadeiro curral para pesquisadores e leitores, cobrando durante décadas para a publicação dos artigos (seguidamente mais de 5 mil dólares por artigo), ou cobrando para permitir a leitura, ou seguidamente, cobrando de ambos, de autores e leitores. Além de oferecerem um serviço pra lá de ruim, demorando até dois anos para ler um artigo de 10 páginas (haja preguiça!).
Agora, com a internet, o surgimento do “Open Access”, que não cobram dos leitores, e seguidamente cobram taxas de publicação baixíssimas (uns 50 dólares por artigo), ou mesmo sem cobrar nada, então os “barrigudos preguiçosos” estão esperneando, não querem perder o seu curral, e contratam jornalistas pré-pagos para “denunciar” aqueles que são predatórios (para os negócios deles, claro!).
E ainda contam com os inocentes úteis que replicam estas matérias que de boas intenções pouco ou nada tem.
Viva o Open Access! Viva os editores que revisam e publicam um artigo em poucas semanas (e não em dois anos)!
E um viva especial para os editores que fazem um serviço rápido e não cobram nada do autor nem do leitor, os tais “predatórios”!
Bem interessante, agora, o que pode ser dito de trabalhar como revisor num desses periódicos predatórios? Inocentemente, preenchi um formulário para trabalhar como revisor, e fui prontamente aceito. Depois disso, fui pesquisar melhor sobre o periódico, e vi que estava na lista de predatórios. Mesmo que eu faça um trabalho decente de revisão, será que isso é algo que ao invés de melhorar, pode piorar meu currículo?