Desde minha última crônica até hoje, estive quase completamente dedicado à pós-graduação. Foram longos dias e noites de escrita de dissertação, preparação para seleção de doutorado, estudos, correção de texto, ajustes no projeto, banca, prova, aprovação. Depois: mudança de casa, de cidade, de universidade. Pedido de diploma, pesquisa sobre concursos (ah, quem não faz, mesmo sem ter pretensão de prestar?). Uma vida dedicada à pós-graduação. Seria isso um estilo?

Hoje, vivo numa grande cidade, com opções lazer como parques, cinemas, teatros, bares e restaurantes. Muito diferente do interior onde vivi durante a graduação e grande parte do mestrado. Lá, era fácil dedicar-se totalmente à pesquisa, pois a cidade não oferecia muitas opções além de festas universitárias e uma ou outra atividade cultural numa agenda escassa. Além disso, não sou o mais engajado dos homens nem me envolvi tanto quanto deveria (ou gostaria) em movimento sociais. Mas, agora, optar pela clausura intelectual – nossa Torre de Marfim – é uma opção única e exclusivamente minha.

Vejo muita gente morta gabando-se por doar a vida (e a alma) à universidade. Não se trata de apontar esta perspectiva como um problema: é uma opção como a vocação celibatária de algumas religiões, a dedicação assídua aos negócios e trabalho empresarial ou a mais gostosa malandragem do deixar-se levar. É uma opção como qualquer outra.

Contudo, essas pessoas costumam realizar uma curiosa inversão semântica. Por exemplo, já ouvi um rapaz dizer que seu casamento acabou por conta da tese que ele escrevia. Ao apresentar esta informação, ele buscava causar compaixão no público por algo triste. Contudo, o “problema” foi seguido por certo sorriso que buscava enfatizar o amor à pesquisa, que supera outras formas de amor e, inclusive, prejudica o relacionamento social do sujeito. Em mesas de bar, ouvem-se mestrandos e doutorandos dizendo que a pesquisa vai acabar por matá-los. Quem nunca disse isso? Já o fiz muitas vezes. E a assertiva é quase sempre seguida por um bom gole de cerveja, como quem diz: é, sou f*da!

Até aqui não há muita novidade. Os mártires das religiões há longa data fazem de seu suplício a expressão máxima de sua fé. A vida universitária tem muito disso. Valorizamos um estilo de vida que se constrói em sua negação: “eu devia ter uma vida normal, mas não tenho porque escolhi a pós-graduação, a pesquisa, a universidade”. Essa escolha é revestida por um ideal sacralizado, que parece nos fazer melhor que as outras pessoas. Não por nossa fé, mas pela ciência que, assim como a primeira, exige sacrifícios. E nos vangloriamos disso, embora o façamos através da valorização daquilo que, supostamente, não podemos ter ou ser: a vida normal das pessoas comuns.

Este estilo de vida, imensamente elitista e excludente, acaba por nos apartar daquilo a que, na verdade, deveríamos nos dedicar: o mundo das pessoas, da vida, do diverso, do plural, dos prazeres e das dores. Ao nos prendermos na redoma da universidade – seja durante a pós-graduação, seja depois de formados e atuantes no mercado de trabalho – deixamos de experimentar o mundo. Essa distância vai crescendo em nós, até que não saibamos mais quais são os problemas importantes a serem solucionados. Confundimos necessidades reais com querelas conceituais de grupos de pesquisas. Esquecemos a vida.

Mais e mais, a pós-graduação tem se tornado um estilo de vida. Uma prisão cheia de funcionalidades e prazeres, e o maior deles parece ser a possibilidade de distinção. Afinal, não somos estudantes, somos pós-graduandos. Não seremos professores, seremos professores universitários. Nos achamos melhores que os “meros mortais”. E neste estilo de vida empoeirado de bibliotecas, laboratórios e arquivos, ameaçamos nos perder sem nos darmos conta de que tal opção nem garante a qualidade de nossas pesquisas.

O bom pesquisador não se faz no isolamento de suas próprias ideias nem na virtualização da realidade através das lentes universitárias. É preciso colocar vida em nossa vida, prazeres em nossa luta e sentido em nossas pesquisas. É preciso que o pesquisador seja gente.