Estou em viagem há quinze dias – algo que será tratado em outro espaço ao falar das pesquisas no exterior – na esperança de resolver um grande problema no qual sempre me deparo no Brasil independente se falo da minha pequena cidadezinha no interior de Minas Gerais ou mesmo em uma capital como o Rio de Janeiro: a escassez na oferta de livros voltados para as Ciências Humanas. Claro que os agraciados na área de Direito não se deparam com a mesma questão. Aliás, gostaria até de saber mais sobre essa oferta, se realmente é algo a se comemorar. Falo também das áreas Econômicas, em que, penso eu, há um bom número de publicações disponíveis ao público. O mesmo falo para esse caso, se a oferta equivale às expectativas dos interessados.
O problema é que em ciências como História, Filosofia, Antropologia, “Sociais”, Geografia – em algumas áreas, principalmente das “humanas” –, nem oferta tampouco a qualidade da oferta são algo a se comemorar. E dois casos principais valem a menção: primeiro, a ausência das bibliotecas públicas, ou de Universidades, no qual somos frequentadores assíduos, inclusive nas madrugadas de algumas dessas em busca do artigo que nunca acaba; segundo, das livrarias, objeto de desejo quiçá emocional de muitos de nós cientistas. Vou partir pela comparação. Penso que seja a melhor forma de desenvolver o raciocínio que pretendo bem como a conclusão dessa primeira parte.
Em cursos como Medicina e Direito, clássicos dos clássicos nas Universidades, é notável, visível, escandaloso e de dar inveja a dimensão de livros disponíveis aos alunos durante a graduação, preenchendo minimamente a grade curricular fixa dos cursos mesmo que apenas um único exemplar esteja disponível. Há exceções? Claro, mas, falando em linhas gerais, essa realidade consegue se destacar por conta da própria escassez encontrada no caso de cursos como Ciências Sociais e História. Não é difícil de encontrar casos em que os próprios alunos são obrigados a comprar livros em que são cobrados nas disciplinas obrigatórias, já que as bibliotecas desses cursos não dão conta das ementas propostas pelos professores. Culpa desses cursos? Difícil. A problemática é mais embaixo, aliás, mais em cima, do próprio desinteresse em se investir de modo sério e organizado na área de humanidades. A ausência de livros nessas bibliotecas é um desses elementos estruturais resultantes da falta de interesse mencionada.
Explicar essa realidade não passa apenas pelo que trago aqui na discussão, mas por toda uma série de debates já desenvolvidos aqui no posgraduando.com por outros colunistas.
Já pelo lado das editoras e livrarias, o que justifica a presença de uma única estante voltada para a História ou para a Pedagogia na maioria dos estabelecimentos diante de outras áreas que tomam conta de uma grande parte da oferta acadêmica de livros para os leitores? Ausência do interesse destes pelas áreas mencionadas? Baixo poder aquisitivo? Claro que eu não disponho de pesquisas oficiais para refutar totalmente essas duas perguntas. Mas, no mínimo é intrigante perceber no dia a dia as mais diversas queixas de colegas de profissão que por vezes só encontram uma boa oferta de livros de suas respectivas áreas em eventos promovidos por estas ou em alguma livraria dentre várias existentes. Ou de professores inseridos no mundo das Universidades se queixarem pela verba ínfima direcionada aos departamentos de “humanas” para a compra de livros.
Se eu encontrei boas livrarias aqui em Lisboa? Como disse antes, o problema é bem acima, é estrutural e infelizmente o Brasil não é o único exemplo.
Muito interessante esse texto! Principalmente porque a minha percepção sempre foi o extremo oposto! Eu sempre achei que as bibliotecas em que entrei tinham excesso de livros de Humanas. Vou citar como exemplo a PUC-PR, em Curitiba. Sou da área de computação e, nessa área, um livro comprado há 5 anos, dependendo da área, já pode ser jogado no lixo. Há 15 anos? Cruzes! Embora algumas poucas coisas persistam, qualquer livro da minha área com 20 anos ou mais não contempla a Internet, as interfaces gráficas, o simples mouse. Nada disso existia, E não é só isso, muitas técnicas foram criadas depois, e são criadas ainda todos os dias. Por isso, achar um livro sobre determinado assunto na biblioteca não é tão simples. Quando eu chegava lá e olhava as estantes, o olhar eliminava tudo o que é obsoleto e enxergava apenas a “parte útil”, que era bem reduzida. Que inveja das extensas prateleiras de filosofia, teologia e pedagogia! Com todos aqueles livros comprados há décadas mas que provavelmente ainda eram úteis para os alunos. Afinal, o que aconteceu não muda, continua “acontecido”, certo?
Somente hoje parei para pensar no tamanho do meu engano. Provavelmente cada um enfrenta o mesmo problema na sua área, já que, se a história não muda, nossa visão crítica sobre os acontecimentos está em constante evolução.
Sendo assim, eu o convido a refletir se não está sendo vítima também de um engano, considerando duas coisas:
1) Visão seletiva na sua própria área: quanto mais específica a sua própria área, menos livros existirão. Por exemplo, posso ter 100 livros da área de exatas, mas desses só 20 são de computação, só 5 são de bancos de dados, sendo que os 2 que falam do SGBD ZIM não me servem (alguém aí ainda usa isso???). Então eu olho a estante toda e vejo somente 3 livros.
2) Visão aglutinadora nas outras áreas: para mim, por exemplo, história é uma área só. No máximo consigo dividir em história do Brasil e do mundo. Então eu olho e vejo sempre os 100 livros lá. Se a prateleira for vizinha da de geografia, provavelmente verei 200. Filosofia, teologia, até mesmo pedagogia, consigo facilmente colocar tudo no mesmo saco e ver o montão de livros que tem lá.
Sinceramente, acho que faltam livros de todas as áreas. Tenho amigos que fizeram medicina e tiveram que comprar seus próprios livros, caríssimos, dividido em prestações, claro. Eu mesma comprei uns tantos, assim como meus colegas. Na minha área, sobre alguns assuntos, só em inglês.
Taí, fiquei curiosa. Vamos ver se tem alguém que acha que, na sua área, os livros estão sempre disponíveis. Alguém aí?
Muito bom texto, Marcus, me apresentou um problema que eu ainda desconhecia sobre as áreas de humanas. Não vou dizer que sempre tivemos acesso a todos os livros de biológicas na biblioteca, às vezes havia só edições muito antigas ou poucos exemplares (que eram muito concorridos!), mas via de regra sempre tinha um jeito de estudar para as disciplinas com os livros disponíveis lá. Comprei apenas os que eu mesma queria comprar, nunca por falta de opção. Não consigo imaginar como deve ser frustrante não poder ter este acesso e espero que isso mude para os alunos de humanas. Para isso é importante ler textos como o seu, que expõem esse problema para as demais áreas também.
Obrigado pela leitura atenta Elisa! Peço desculpas pela demora em responder. Vida de mestrando…sabe como é.
Enfim, seu comentário é totalmente pertinente e complementa muito bem o debate que levantei. E, enfim, infelizmente acredito que essa seja a realidade na maioria das regiões do Brasil, principalmente daquelas distantes dos grandes centros acadêmicos, fora do eixo RJ-SP, em que as editoras se concentram.
Eu penso o oposto. Bons livros de outras áreas são bem mais difíceis de se encontrar em bibliotecas universitárias (com exceção, ÀS VEZES, de cursos privilegiados) devido ao fato de que os monólitos fundamentais de ciências humanas não se submetem à dinâmica de frenética atualização, como os enormes compêndios de ciências da natureza, sempre retocados pontualmente pela publicação de um artigo relevante aqui e ali. Uma tradução do Plutarco, por exemplo, editada em 1920 serve muito bem a um estudante de Filosofia iniciante. Eu já estudei com livros mais velhos que meu pai. Já um Bioquímica de Lehninger, por exemplo, editado há 3 anos já é um tanto obsoleto para um pretenso biólogo, e não garante que ele vai ter acesso a uma informação consistente e atualizada. Eu experimentei essas duas áreas, e pude perceber a diferença na oferta de referências de pesquisa nas bibliotecas das universidades. Nesse sentido, penso que os estudantes das ciências naturais acabam sendo mais prejudicados que os de humanas. Quanto a estas últimas, tem-se o problema das traduções. Pouquíssimas editoras prestam-se a publicar traduções decentes, com abundantes notas de rodapé e contextualizações das passagens mais obscuras. Esse tipo de obra geralmente é rara e cara. Nem falo das edições bilíngues, que quase inexistem, e quanto às obras em língua original, só se consegue importando, ou, com muita sorte, em raríssimos sebos. Aliado a isso, tem-se os absurdos preços cobrados por livros aqui no Brasil, além do nosso nada saudável hábito de não aprender a se familiarizar com línguas estrangeiras (quando muito, um inglês instrumental, desses ensinados em escolas e cursos). A biblioteca da UFAM, por exemplo, tem uma boa quantidade de livros com vários exemplares disponíveis na área de humanas (considerando-se as dimensões da universidade e o número de alunos). Longe de ser um bom acervo, mas esse é um fato notável. Já a parte de ciências biológicas parece uma biblioteca particular de um diletante casual. Muito pobre. A da UFC também deixa muito a desejar quando o assunto é livro atualizado. Como a colega disse antes, falta livro em todas as áreas, tantos nas universidades quanto nas livrarias. E não falta só o livro, em si. Falta qualidade nas publicações (humanas) e na manutenção dos acervos (ciências positivas).
Olá, pessoal. Não sei baseado em que, é possível dizer que História, Filosofia, Sociologia e outras ciências humanas e/ou sociais é a mesma coisa. Engana-se, também, quem pensa que não há constantes atualizações, em ciências humanas. A questão, dentre outras, é que, atualmente, não existem muitas pessoas interessadas em atuar em História, Antropologia, Filosofia, etc. (muito apesar destas serem muito interessantes, sob vários aspectos), seja pela diferença de salários entre os profissionais de humanas e os de outras, seja, talvez, principalmente, pelo desprestígio social que enfrentamos, frequentemente, ao seguir carreira em História, Geografia, etc. Quanto à temática “disposição de livros” de alta qualidade em ciências humanas/sociais, há várias questões a serem abordadas. Entretanto, cito apenas uma, aqui. Por exemplo, se o cidadão é formado em História, ele sabe, provavelmente, que “apenas” sobre a Era dos Impérios há mais de 5 mil obras. Estamos falando de um período de 40 anos, aproximadamente (de 1876-1914). Embora seja um período muito importante (que trata, entre outras coisas, das origens da Primeira Guerra Mundial), esse mesmo período é muito pequeno, diante de toda a divisão cronológica da História. E eu não estou falando de prática de pesquisa, propriamente. Porque se for para pesquisar, mesmo iniciantes devem saber que existem várias outras fontes além de livros-textos, independente de ser ciência humana, social, agrária, médica, etc.
Excelente texto e debate, Marcus. Imagino como é frustrante não ter acesso a importantes livros não só na área de Humanas como também de outras em universidades e escolas brasileiras. Moro há três anos em Londres e aqui encontro muitas livrarias públicas com um admirável acervo histórico e moderno. Quando eles não têm o livro que você precisa.. eles encomendam ele e em três dias já está disponível. É um sonho ver o Brasil com livrarias públicas como essas. Sou coautora do livro “Rio Sem Lei”, que ganhou no último mês (dezembro/2018) o prêmio de melhor livro jornalístico de Direitos Humanos no Brasil, na categoria Grande Reportagem – pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul e OAB/RS. Seria interessante que o setor acadêmico se interessasse mais sobre trabalhos como esse .. inclusive para apresentação de palestras e debates na área de Humanas.