O Currículo Lattes é uma ferramenta que se tornou essencial ao acadêmico brasileiro, de técnicos e professores a estudantes de graduação, incluindo um grande contingente de pós-graduandos. Praticamente não há sistemas estrangeiros semelhantes, o que trouxe a notabilidade internacional ao CNPq.

Com a sua popularização e com o crescimento da comunidade acadêmica brasileira, o sistema naturalmente teve que se adequar às realidades da comunidade online. Uma delas é a existência de perfis fakes, que afligiram redes sociais e acabaram por atingir o Sistema Lattes. Na última semana, durante o evento da SBPC, o CNPq anunciou a nova versão do sistema, que inclui diversas mudanças visando diminuir esse tipo de fraude.

Este texto é uma narrativa da minha experiência com o novo sistema, a partir da perspectiva de um usuário comum, ou seja, um usuário tentando arrumar seu currículo para que esteja na melhor forma possível para competir por um emprego, projeto ou financiamento de pesquisa.

O LADO BOM DA NOVA VERSÃO
Diversas mudanças implementadas na última versão visam a diminuir a quantidade de informação “inventada” através da criação de vínculos (ou “links”). É um alívio que os desenvolvedores estejam tentando desencorajar esse tipo de atitude.

Agora, certas informações na tela aparecem acompanhadas de pequenos ícones que confirmam que a informação apresentada foi comparada com outros bancos de dados, como a Receita Federal, o currículo de um colega ou orientador, o INPI no caso de patentes, e vários dos maiores serviços indexadores de artigos como a Web of Knowledge e ISI. O pesquisador também pode vincular artigos e outras publicações com seu DOI (digital object identifier). Essa inovação aumenta significativamente a visibilidade da produção do pesquisador por meio da comunicação com outros bancos de dados e permite a localização de outros grupos de pesquisa semelhantes através de serviços como o crossref.

Num esforço de incentivar a comunidade científica a se “auto-verificar“, agora o pesquisador também pode incluir links para seus co-autores/colaboradores. Isso tenta aumentar também o caráter de “rede social” formada em torno do Sistema Lattes, que praticamente não tinha competição antes da expansão de “redes sociais acadêmicas”.

O LADO MAU DA NOVA VERSÃO
O sistema de verificação através de links é um bom começo, e a comunidade que conhece o comportamento da Web certamente entenderá que uma grande parte do “filtro” de informações duvidosas ainda caberá ao leitor do currículo e sua atenção à existência dos ícones de verificação. No entanto, certamente também é do interesse do Sistema Lattes manter um certo nível de higiene dos dados, a fim de ter estatísticas relativamente confiáveis.

A implementação da verificação interna (vamos dizer, consistência dentro do próprio currículo) deixa muito a desejar e quem sofre com isso, inicialmente, é o usuário. Logicamente isso também afeta a instituição do pesquisador e o CNPq, pois as dificuldades do usuário resultam em estatísticas de produção erradas, e não só num CV com menos “pontos”. Alguns exemplos de onde isso acontece afetam especialmente as seções relativas a produções diferentes de artigos em periódicos (campos que na verdade são o que diferencia o Lattes da maioria dos outros sistemas, que valorizam somente o artigo como forma de publicação):

» Participações em workshops (oficinas) sob “eventos” não são vinculados com “Formação complementar“.

» O sistema pensa que ISBNs não podem se repetir – ou seja, não gosta que eu tenha publicado mais de um capítulo no mesmo livro.

» O sistema continua não gostando de que um usuário tenha tido mais do que um vínculo diferente com a mesma instituição, e só reconhece o mais recente (no meu caso, por ter trabalhado na mesma instituição que fiz graduação, todos os meus dados sobre estágios desaparecem).

» Quando o usuário diz que “participou” de um evento, deve informar o título do trabalho que apresentou. No entanto, se esse trabalho é inserido sob “eventos“, ele não é automaticamente incluído sob os “resumos em anais de eventos“, mas o sistema às vezes reclama se você não tem uma entrada dizendo que “participou” do evento. Resultado: o usuário precisa entrar os dados manualmente sobre o evento duas vezes, e a informação nem sempre é comparada ou vinculada pelo sistema. Se não fizer isso, você tem um ponto a menos na “produção” lá no final (A solução? Podiam restringir esse tipo de “resumos publicados em anais” somente a trabalhos completos e resumos expandidos, o que diminuiria essa redundância).

» O que leva à pergunta, e se você é co-autor em um trabalho/apresentação, mas não foi ao evento porque seu colega foi o apresentador? Porque isso, a verificação exige.

» Da mesma maneira, quando o usuário realizou uma “apresentação oral” sob evento, não há vínculo com a seção “apresentação de trabalho e palestra“. A recíproca é verdadeira: uma entrada de resumo não forma um link a uma “participação em evento“.

Imagina a minha felicidade quando descobri isso após 4 anos inserindo pôsteres e apresentações orais sob “eventos“, crente que informação era cruzada entre as duas seções.

O LADO FEIO DA NOVA VERSÃO
Além do fato de que o usuário que não quer colocar sua 3X4 no CV agora corre o risco de ser confundido com um membro sem rosto do Blue Man Group?

Quem teve que preparar seu CV Lattes usando o software provavelmente lembra das limitações das primeiras interfaces para atualizar o CV online. Atualmente, só é possível realizar essas operações online, então o mínimo que se espera é que o sistema online funcione bem. É decepcionante ver que novamente a interface do CV Lattes online anda deixa a desejar em termos de funcionalidade.

Ciente de que a maioria dos sites hoje em dia não funciona bem em todos os navegadores, eu tenho uma verdadeira coleção desse tipo de programa instalados em meu computador. Três dos problemas mais graves que notei:

» Em sistemas baseados em Mozilla mais antigos (como Firefox 3.6, que sim, ainda é popular, ou Kmeleon), o menu de navegação não existe. O Javascript não carrega submenus na barra superior. O usuário poderia usar o menu “o que você precisa?” se insistir em fazer alguma coisa. Mas só se usar a barra de scroll, porque a busca (tente escrever “eventos” – resultado = 0) não funciona.

» No Opera, a navegação funciona, mas o usuário terá uma surpresa ao tentar carregar os dados que já havia inserido: tudo “desapareceu” (eu não arranquei meus cabelos porque tinha acabado de imprimir uma cópia, então sabia que os dados existiam em algum lugar no sistema). Ou seja, a tela carrega, mas os dados, não.

» No Chrome, a barra de ferramentas não aparece em lugar algum da tela. Depois de certo tempo, ela carrega… na parte de baixo da tela.

» No Safari, como os blocos de texto (ou os elementos onde estão os links) não são fixos, então sua posição na tela varia conforme o tamanho da janela…

Eu sinceramente quero acreditar que os responsáveis pelo sistema Lattes não pensam que todos os pesquisadores usam o mesmo Internet Explorer. Eu vou confessar que só não achei mais erros porque não testei outros browsers. Uma sugestão aos desenvolvedores é que façam uso de coisas como o Browsershots.

Outra coisa feia que o pessoal do Lattes faz é desaparecer com certas informações quando se localiza o currículo de alguém sem avisar o usuário. Por exemplo, o e-mail não aparece lá mais por causa dos spam bots. Certo, mas eu como usuário gostaria de saber quando isso aconteceu, e não fui notificada. Se eu fosse um pesquisador procurando entrar em contato com um autor, dificilmente iria entrar no sistema de busca e procurar pelo minúsculo ícone de e-mail que aparece somente na confirmação do resultado (o resuminho antes de carregar o CV inteiro) para contactar o pesquisador. Eu iria usar o link que o pesquisador me deu e entrar direto na página, ver que não tem e-mail, assumir que o aluno/pesquisador é incompetente com relação à disponibilização de informações de contato em seu currículo, e partir para a próxima.

Seguindo esse raciocínio: às vezes, uma pessoa que não lê bem português pode estar interessada no CV. Por exemplo, um estudante pode estar fazendo doutorado no exterior e ainda querer usar o Sistema Lattes, especialmente em tempos de Ciência sem Fronteiras. A opção de disponibilizar o CV Lattes em inglês começou a ser oferecida lá por 2008, 2009. Ou seja, eu acreditaria que em 3 ou 4 anos alguém já deveria ter detectado que:

» “Contract institutional” é portuinglês.

» “Continuing education” e “Extensão universitária” não são equivalentes.

» Artigos em jornais, revistas, “etc.” não são todos “newspapers“. Alguns são “newsletters“, “magazines” e outros tipos de publicações que não exigem peer-review (que é o que eu imagino que os desenvolvedores queriam avaliar neste campo).

» Títulos de certas seções continuam em português, tais como “Projetos de Pesquisa”, “Projetos de Extensão”, etc.

Infelizmente, esses erros persistem na versão nova. Além disso, se você está visitando o currículo de alguém, não há mais um link para alternar entre português e inglês. Espera-se que, se esse botão retornar, ele não esteja num inconspícuo tom de azul no meio da página, e sim pelo menos em algum dos cantos da tela, talvez até com uma bandeirinha.

O mais feio (e malvado) disso tudo é o sistema de “help“, que agora, em bom espírito de rede 2.0, redireciona para uma Wiki, que é essencialmente o equivalente eletrônico de uma gravação sem resposta alguma. Há print screens das telas e descrições lacônicas dos links. O problema da enxurrada de perguntas estúpidas que o pessoal começou a colocar (no lugar do conteúdo, não da discussão) foi resolvido bloqueando a página para o uso do usuário não-cadastrado. Eu gostaria de contribuir o pouco que sei, e colocar as dúvidas que tenho (inclusive aquilo que apontei aqui) nas discussões, já que sei que no e-mail também só vou receber ctrl+v de help. Mas quando eu tento me cadastrar, recebo uma mensagem dizendo que meu IP foi banido. Não, eu não trollei a wiki do CNPq. Não importa qual máquina ou IP a pessoa esteja usando, o IP banido é sempre o mesmo na mensagem: 10.0.0.38. 😉

EM CONCLUSÃO
O Sistema Lattes é pioneiro, mas isso não é mais suficiente. Sua aura de inovação já acabou; está na hora de se destacar como um sistema eficiente e confiável. Pessoalmente, eu apreciaria imensamente poder colocar um simples link para meu CV Lattes em minha página, onde quer que ela esteja, e confiar que o conteúdo será consistente e bem apresentado, ao invés de ter que fazer PDF’s manualmente toda vez para não apresentar um documento cheio de erros.

Se os desenvolvedores forem espertos, saberão usar o poder da rede 2.0 para filtrar e receber bom feedback (e continuarão recebendo, se deixarem o feedback ir além da secretária eletrônica). Se não usarem, veremos o sistema continuar arrastando os erros de sempre e, com sorte, as instituições perceberão que seus indicadores não são a coisa mais confiável do mundo. O currículo já não tem uma apresentação legal – o layout foi de feio a pior – então teremos que ver por quanto tempo sobrevive um sistema sujeito a fraudes, cujo único atrativo é a obrigatoriedade. A única salvação? Corrigir, corrigir, corrigir. Por favor, povo do Lattes – permitam que os pesquisadores reportem erros a alguém que possa responder de verdade.

Este artigo foi escrito com a melhor das intenções. O autor espera que se alguém da equipe Lattes ler, perceba que as críticas não são feitas no espírito de mera reclamação e sim com a esperança de que o sistema quer melhorar e manter a liderança que tem.

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Texto escrito por aestrik