Hoje é dia 04/11/2013. Daqui a três dias estarei diante de uma banca para o meu exame geral de qualificação, etapa considerada uma pré-defesa no doutorado. No entanto, entre um slide e outro, entre uma página e outra nos estudos, acabo lendo outro coisas, o intuito é me manter informado e relaxar um pouco com relação aos assuntos referentes à tese.
Nos últimos dias li vários textos interessantes, um sobre meritocracia e sua influência na classe média brasileira, um outro que resvala nesse tema, mas tenta explicar porque a geração Y está triste, uma reportagem bisonha sobre pessoas que gastam até R$ 50.000,00 em uma balada, e ao mesmo tempo em que digeria este, me deparo com uma outra reportagem, agora sobre crianças catando lixo em um rio de Recife.
Todos eles me geraram uma grande inquietação e um turbilhão de pensamentos, que não me permitiram mais concentrar na qualificação, me induzindo a escrever esse post que é uma reflexão.
O que teriam estes textos em comum, ou melhor, o que relaciona todos eles? É que a sociedade está exposta neles! Retrata uma classe miserável buscando seu sustento no esgoto, mostra a burguesia e quais são suas preocupações através da ostentação do vazio. E entre elas, uma classe média míope, incapaz de enxergar que ela própria gera o esgoto no qual os meninos de Recife estão nadando, e também é ela que sustenta o bebedor de Champagne, talvez almejando, quem sabe um dia, experimentar um gole da Veuve Clicquot.
Não posso aqui satanizar a classe média, atribuindo a ela todos os males de nossa sociedade doente, mas posso perfeitamente tentar entender a sua parcela de culpa. Estamos doentes em todos os aspectos (sociais, políticos, econômicos, educacionais, ambientais e morais) e a classe média brasileira opta por se calar, e quando grita, é contra programas sociais como bolsa família, ou contra a ampliação de direitos das minorias (gays, negros, indígenas, etc). É o que demonstra o autor do texto Guinada à direita, no qual faz de forma irônica uma crítica ao comportamento reacionário que tem tomado conta de grande parte de nossa classe média.
Estes comportamentos têm um link direto com o texto sobre a meritocracia que diz: “A meritocracia propõe construir uma ordem social baseada nas diferenças de predicados pessoais (habilidade, conhecimento, competência, etc.) e não em valores sociais universais (direito à vida, justiça, liberdade, solidariedade, etc.). Então, uma sociedade meritocrática pode atentar contra estes valores, ou pode obstruir o acesso de muitos a direitos fundamentais.”
Estamos criando pessoas incapazes de se indignar, sem capacidade de reflexão e muito menos de interferir na realidade. Como diz a música: “A nossa indignação é uma mosca sem asas não ultrapassa as janelas de nossas casas”.
Por este blog ser dedicado aos pós-graduandos que futuramente se tornarão professores universitários, eu termino com esta pergunta: Qual o papel da universidade nessa sociedade?
Em tempo: segue o link de uma reportagem, mostrando que a moda agora em Porto Alegre são as boates se fantasiarem de favela.
Ah… como é bom perceber estes sopros…, esta inquietude, esta problematização, a crítica se misturando com a auto-crítica, a autenticidade do pensamento.
Adorei Marlon.
Parabéns pelo texto.
Desejo-lhe boa sorte na qualificação.
Você não citou o vídeo do retardado do camarote e os dez mandamentos!?
Poucas coisas que eu vi na internet são tão repugnantes quanto aquilo. Ver Serra e Cardoso se afirmarem de esquerda pelo menos é divertido, e tem algum conteúdo científico (embora questionável).
Guimba o vídeo está junto deste trecho “pessoas que gastam até R$ 50.000,00 em uma balada” que na verdade é uma reportagem da VEJA …
Ah Marlon, como é bom saber que outras pessoas compartilham as mesmas reflexões. Sou doutoranda, cidadã, filha de cientista político e todos os dias me pergunto de que forma vou devolver à sociedade as oportunidades que tive. Saberei ajudar na formação de novos cidadãos que olhem mais para os lados do que para si mesmo?? Serei eu capaz de fazer isso???
Compartilho as mesmas inquietações Marlon. Obrigada por expor questões tão próprias.
Li todos esses textos ultimamente também. Inclusive todas as repercussões do “Guinada a Direita” que só mostrou o tanto que várias pessoas não entendem ironia, e não sabem interpretar textos. O texto da meritocracia também é muito interessante. E já sobre o do babaca no camarote, pra mim parece apenas uma jogada da Veja para criar polêmica. Ela soube retratar o infeliz de maneira bem bizarra e certa de receber muitos cliques, comentários, views e tudo mais que é importante para um veículo de mídia atualmente. Nem perdi meu tempo nessa exploração.
Esse texto e esses dados também chamaram minha atenção: http:// bit. ly/1ecr8Vr
Acho o Brasil um país extremamente machista, e isso traz consequências graves pra nossa população feminina. Algo precisa ser feito sobre isso.
Sobre o papel da universidade, acho que ela tem de tentar divulgar e promover discussões a ações referentes a todos esses nossos problemas sociais. Também como futuros educadores, devemos tentar trazer esses tópicos de discussão para os alunos, mesmo que isso não esteja diretamente relacionado à disciplina. Enfim, estamos cada vez mais acostumados com números alarmantes como esse dos estupros, mas temos que tentar problematizar essas questões. Criticá-las e trabalhar para uma solução.
Muito interessante, Marlon. Parabéns pela iniciativa e pela própria qualidade do texto!
Também acredito que nossa sociedade tem inúmeros problemas, muitos relacionados à meritocracia. A própria academia brasileira é prova disso, como o autor Renato Souza descreve nesta passagem (retirada da matéria sobre a meritocracia e sua influência na classe média brasileira): “[…] Cursos de pós-graduação e professores universitários não produzem conhecimentos e publicam artigos e livros para fazerem a diferença no mundo, para terem um significado na pesquisa e na vida intelectual do país, mas sim para engrossarem o seu Lattes e para ficarem bem ranqueados na CAPES e no CNPq.”
Lembrando que o aumento do Lattes é necessário no sistema atual, em que a quantidade é mais valorizada que a qualidade. Enquanto o sistema não for mudado o objetivo dos professores/pesquisadores continuará sendo o mesmo.
Marlon, que bom ver esse tipo de reflexão vindo de gente das ciências “duras”. É assustador, mas ao mesmo tempo fundamental pensarmos que tipo de sociedade estamos ajudando a construir e como ela também acaba fazendo parte de quem somos e nos tornamos a cada dia. Uma sociedade que define a ascensão e bem estar de uma classe com base no poder de consumo e não na garantia de necessidades básicas só pode estar muito doente!
Leio praticamnete todas as matérias do posgraduando.com. Este foi o texto mais coeso e conectado com a realidade da sociedade que já li no site. Parabéns, Marlon!
Muito bom o texto… retrata bem a conjuntura da atual sociedade brasileira. Também estou prestes a passar pelo Exame de Qualificação no Mestrado e a ansiosidade, o ir e vir nas leituras, o digitar e o deletar o que se pensa e escreve, enfim, acaba que de vez em quando também paro para ler outros textos, que não especificamente os do objeto da dissertação.. Gostei demais dessa reflexão!
Como bom saber que temos pessoas que se inquietam diante das mazelas…..pois mtas pessoas que deveriam produzir conhecimento se mostram tão reacionários que me assustam……Obrigada pela leitura…..
Passei por todos esses textos também. Na verdade, esse foram praticamente os únicos pelos quais e passei. Muito estranho.
Muito bom texto e ótimos comentários. Acredito que fazemos diferente nos indignando. Sou Pernambucana, tenho 33 anos e sei de crianças que buscam sobrevivência nos chamados lixões em Recife “desde de que me entendo por gente”, não acho normal mas população em geral esquece. Elas voltam à mídia e são usadas quando à quem interessante for no momento. E assim são as outras coisas do nosso país, que não faz questão de investir em educação de base para não estimular mentes à pensarem e tomarem gosto pela reflexão. Quanto à esses idiotas que gastam furtunas na noitada paulistana, li a reportagem online, mas não me dei o trabalho de ver o vídeo, me pareceu perfeitos idiotas que não sabem o significado de um dia de trabalho…
Parabéns pelo artigo Marlon, excelente! E muita boa sorte em sua banca! 🙂
Marlon, também compartilho da sua inquietação, nestes dias ela me acompanha de forma mais latente. Ontem mesmo vi uma videoconferência do sociólogo Zygmunt Bauman, ele comentava temas que você mencionou no texto, desenvolvendo a teoria da sociedade líquida, onde as coisas não têm forma definida, não são sólidas, por isso, não são feitas pra durar. Parabéns pelo seu texto e desejo uma excelente qualificação.