Há quem diga que jamais entramos em uma roda sozinhos. No entanto, qual seria essa roda?
Roda-Gigante? Onde por vezes nós nos encontramos ora por cima, ora por baixo, acompanhados ou não;
Roda de conversas? Aquele instante que as perguntas mudam de faces, as respostas acompanham essa direção e as ideias discutem e não as pessoas (nem sempre);
Roda da vida? A mais (in)certa e a mais presente em nós, inevitável respirar, imutável o falecer, mas perigosamente “arriscável” a não viver. Só sobreviver.
Roda da capoeira? Onde se pisar no massapê pode escorregar; notar que nem tudo que reluz é ouro e a cada queda do corpo, a alma levanta na volta pelo mundo e recomeça como o nascer do dia;
Não! Não iremos dizer qual é a “nossa roda” (pensemos nas rodas em que estamos vivenciando), estaremos sempre acompanhados por outros, seja por magia, seja por pensamentos, em pele ou tudo isso.
Alguns passos no caminho gingado daremos, mas nem todos! Pois é nesse intervalo do que dizemos e não dizemos que se encontram os segredos ancestrais, a irreverência majestosa de quem fomos (somos e seremos).
Seja por mandinga ou malícia, o molejo do corpo e das falas mudam para cada nova pergunta, não se mudam os livros (eles são marcas de um tempo, como uma garrafa de vinho, que ao ser engarrafado captura aquele ano e o leva até a última gota), mudam-se sim, as pessoas que os leem.
Essa oração se repete a cada pé de berimbau (uma nova conversa/livro/momento), palmas batidas (novo ritmo), música aclamada (relembrar momentos).
História vivida em cada golpe dito e não dito, da negaça do corpo a afirmação do IÊ! Atenção: “nem tudo que balança cai” se perca para poder, possibilitar se achar logo mais adiante; É necessário embriagar-se com a incerteza, mesmo que momentânea e sagaz, para caminhar jogando nessa “brincadeira de matar”. Por sua vez, o caleidoscópio de diálogos móveis no ritual do jogo da Capoeira é o maestro para sua (im)perfeição.
Essas falas escritas, pensamentos largados ou frases livres, amarradas entre as linhas – Quase um verdadeiro aprisionamento de ideias – Não nos impedirá de saltar, salto quântico de proezas, nós somos “pensamentos forros” e estamos convidando a todos e todas para entrar jogo. Ao som do berimbau e dos dois pandeiros da vida continuaremos a soltar as letras, em simbiose imperfeitamente perfeita com os todos nós. Então, vamos vadiar?
A entrega mútua do significante e a eloquência do pensar serão os nossos primeiros camarás a sair para jogar. Mas como em uma boa roda de capoeira, há quem toque os instrumentos para o inusitado começar, quem declame a história-cantada para o espírito despertar, juntamente com as outras diversas e distintas vozes para a energia da vida circular, a mais marcante é a do mestre maior – O Berimbau (o “nosso Eu”).
O que nos torna únicos (jeitos e gestos, gostos e desgostos, dores e sabores, “nãos e sins”… quantos mais paradoxos pudermos listar…) é o chamado necessário para falarmos de “CiênciARTEducação” dentro e fora da “roda de Capoeira”. Como bons mandingueiros e mandingueiras devemos carregar o Axé No vazio do copo, da “mulher barbada[2]”, que nasce a possibilidade de vira-lo (sem derramar) e observar, espantar-se, admirar-se com o que não podia ser visto, devido ao líquido quente que ocupava esse espaço, nesse intervalo de instantes deixamos os pensamentos soltos para criar/elaborar aquela centelha que incendiará a nossa escrita, a nossa pesquisa, os nossos desejos. Permita-se se desequilibrar no diálogo entre um livro e outro, não queira se acorrentar ao chão por verdades que até nosso íntimo dúvida, um dia a terra já foi o centro do universo, hoje o sol é quem reina (e quem sabe no amanhã?), é nessa “volta do mundo” que reside o conhecimento, o saber guardado, nos seus sabores e nas suas dores. O toque do berimbau chama, evoca a magia oculta em cada um de nós, como uma aprendizagem quando é significativo e ressignifica a nossas ações, práxis – Se envolva, se mele, mas saia limpo -. O “por que” eterno, que deve se manter aceso a cada nova descoberta, página virada, linha traçada, é no traço que marcamos as pegadas, os passos tortuosos e equilibrados da estrada, caindo na negativa e negando para responder, respondendo para negar – uma verdadeira dialética espiritual – gritamos em um tempo (Cronos e Kairós); Tempo esse que roda com o passar dos ponteiros do relógio, e “tempo” que vive com o passar das experiências. Pressentir e sentir o aviso do “toque de cavalaria[3]” Se por acaso desequilibrar e a queda for quase, tão somente quase inevitável, lembre-se que: “escorregar não é cair é um jeito que o corpo dá”. Nesse olhar para o desviante é onde podemos parar e perceber alguns pontos calados por muitos, revelando a carne que sangra e expõe as franquezas, dói, machuca e magoa, no entanto é melhor uma dor sentida e transformada em sabedoria, ao invés de uma memória “esquecida”, dominada, alienada por uma minoria grotesca, capaz de fragmentar o individuo e meras disciplinas curriculares, uma desigualdade normalizada e boas partidas de futebol. É necessário saber esquivar dessas armadilhas-doces impostas, mascaradas ou dadas, deixe o corpo mole suficientemente pronto para ser flexível no momento exato e áspero no instante oportuno necessário. Na estrada que trilhamos na “CiênciARTEducação” todas essas arapucas irão aparecer, algumas ficam fácies de serem percebidas, já outras… Chegam até se vestirem de “orientadores” que desejam tomar as rédeas de seus estudos/pesquisas pra explorarem para alimentar seu engenhoso (engenho Lattes) projeto de vida. Prestem atenção quando passarem por debaixo dessas arvores, sentem sempre na quina do banco (preferencialmente de costas para paredes), ao dormir na casa de alguém se lembre de ficar com um olho aberto e jamais vire na esquina rente beira (a surpresa é “a alma do negócio”), nessa malemolência sair de rolê[4] há de ser um hábito (não regular, pois assim eles saberão o que iremos fazer), para depois contra-atacar, se o momento não for oportuno, respire, estude, sonhe e volte a jogar… É valioso recordar as falas de um Negro-Rei baiano: “Hoje o bom foi você, amanhã já não sei, o tempo aqui vai dizer”. Sem perder o compasso: “Rarrá, na hora de capoeira grande pequeno sou eu”, sejamos assim, grandes e pequenos, leves como o vento e grandioso como um tufão, levar para roda… Roda da vida um coração forte capaz de jogar até o último pulsa, arriscar no momento certo (e incerto), fazer valer o “seu jogo”. Não estamos sozinhos, vozes ecoam em nós, que a nossa seja a de tom mais grave, mas ela não nos impeça de ouvir as outras. Respeitar tudo/todos, os seus trabalhos (pesquisas, estudos…) é essencial nessa jornada; perceber o seu Ritmo (“Devagar também é pressa”.) será sublime em todas as partes do todo; ter em si um Ritual[5] próprio, saber o que te move e faz sorrir a cada noite passada e dia amanhecido será sua catarse e anotem: Sempre que acharmos necessário poderemos pedir e realizar a “volta do mundo” e ao chegar ao pé do Berimbau e sair para um novo jogo ter a ânsia certa que faremos ressoar o amor em cada ginga, em cada escrito. Um Axé, REFERÊNCIAS: Histórias da vida; Rodas de Capoeira. [1]Axé: Na língua Ioruba, axé significa “poder”, “energia”, “força” presente em cada ser. [2]“Mulher Barbada”: Bebida elaborada por Manoel dos Reis Machado (1899/1900 -1974) Mestre Bimba (criador da Capoeira Regional). [3]Toque Cavalaria: é um toque de aviso, imita o trotar do cavalo, avisando sobre as armadilhas que podem estar para acontecer. Seu criado: Mestre Bimba. [4]Rolê: Movimento utilizado na capoeira, onde com uma das mãos se protege o rosto e a outra vai ao chão, com uma perna esticada para frente e a outra dobrada é o apoio para o corpo. [5]Ritmo, Ritual e Respeito: São considerados os “três Erres fortes” da Capoeira – Descrita pelo Mestre Decânio. _______________________________ Texto escrito por Biba Renata – professora de Educação Física e estudante de Pedagogia.
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