A Universidade é um poço de vaidades (isso não é novidade) onde há muito dinheiro investido. Formemos uma equação simples:
vaidade . (ego inflado + vontade de aparecer) + dinheiro público = trabalho de bolsistas
“Mostrar serviço” utilizando dinheiro público é diretamente proporcional à capacidade desenvolvida por alguns profissionais de cooptar o trabalho alheio a seu favor, através de uma política patrimonialista de concessão de bolsas. Qual pós-graduando (ou graduando, bolsista de apoio técnico, iniciação científica, de tutoria ou qualquer outra modalidade) nunca vivenciou ou conhece alguém que vivenciou situações assim: “ou você faz desse jeito ou você perde a bolsa”?
A formação do curral
É uma situação de extremo constrangimento: o bolsista é compelido a atuar de maneira contrária à sua opinião ou intenção em favor da continuidade da bolsa. Você pode estar pensando: “mas no mercado de trabalho é assim, nem sempre fazemos o que gostamos ou acreditamos, e sim o que o chefe manda”.
Há diferenças: 1) no mercado de trabalho, há uma opção moral em aceitar tal situação, visto que ele é mais amplo que o setor específico onde nossa pesquisa é exequível, na universidade; e 2) o mercado de trabalho, na maior parte dos casos, é de iniciativa privada, o que implica dizer que o Fulano te paga para que você faça o que ele quer. Na Universidade, quem paga não é o Fulano coordenador do projeto, é o Governo e as Agências de fomento.
Coordenadores de projetos recebem um recurso disponível para ser alocado em pessoas que executarão projetos em parceira com ele. Mas a “parceria” costuma ser ignorada: alguns deles se apropriam do poder que deveriam direcionar à execução de tarefas para formar rebanhos internos. Ou o bolsista segue ordens de alguém que usa o dinheiro público para desempenhar sua própria vontade ou é “demitido”.
Quando a bolsa significa voto de silêncio
A política de bolsas favorece a formação de capital social e simbólico nas universidades. Os tais coordenadores agregam pessoas ao seu lado por meio de aliança materializada nos vencimentos pagos pelo Governo e pelas Agências de fomento e, através do trabalho dessas pessoas, eles se promovem dentro das instituições.
Não raro, um projeto fracassado é atribuído ao bolsista, “aquele incompetente, autossuficiente que achou que podia fazer tudo sozinho”, enquanto seu sucesso é cooptado pelo coordenados, pois “eu conduzi o trabalho da equipe, eu verifiquei cada etapa, eu estive presente em todos os momentos…”.
A bolsa se torna um voto de silêncio: afinal quem tem boca vai a vaia Roma. Toda crítica ao processo é vista como crítica pessoal e trata-se logo de podá-la, pois vai que alguém escuta! Toda possibilidade de melhoria é encarada como desacordo com a gestão “do chefe”, dono do rebanho, e ao bolsista sobram duas opções: calar-se e continuar pagando suas contas, ou ser justo consigo e viver uma situação de insegurança diante da execução de seu trabalho e recebimento por seu serviço que, é preciso frisar, é pago pelo Estado.
Profissionais x bolsistas
A luta pela profissionalização da pós-graduação é questão fundamental ao debate acadêmico. Mas precisa ir além: as políticas de bolsas para graduados em qualquer instância são, do ponto de vista trabalhista e previdenciário, extremamente nocivas aos profissionais que, além de terem seus direitos podados, ficam expostos a picuinhas acadêmicas sustentadas pelo dinheiro público.
Capitais social e simbólico estão diretamente associados a este processo, gestor de vaidades e, de muitas formas, inoperante, visto que inibe a autocrítica institucional, produzida pelos parceiros dos projetos. Quando o recebimento da bolsa fica condicionado ao humor dos coordenadores, os bolsistas só tem a dizer “sim, senhor”.
Terminei o doutorado e ainda não dá para ter essa poltrona….
hahaha não destrua meus sonhos, Lu!
Thiago, se eu tentasse não conseguiria expor tão bem minhas ideias sobre esse tema. Concordo plenamente com você. Parabéns pelo texto!Excelente! Acho que muitas pessoas poderão se identificar, ou mesmo relembrar a ferida causada por não ter liberdade de pesquisa ou de expressão sob o constrangimento de uma possível ‘vingança’ ou perca de bolsa.
Espero que chegue o dia em que os pós-graduandos sejam encarados como profissionais e não estudantes do jardim de infância. Que eles possam exprimir-se e ter liberdade de inovar cientificamente, trabalhar com interdisciplinaridade e fazer links produtivos. Espero que eles possam ter direitos trabalhísticos e reconhecimento. Espero também não estar mais na pós-graduação a esse tempo, pois certamente demorará.
Tenho certeza também que passando para o outro lado, eu não quero ser um massificador de ideias nem podador de sonhos.
Parabéns novamente
Oi, Ana, obrigado pelas palavras. Também não serei um massificador de sonhos e percebo, no dia a dia, o quanto há pessoas mesquinhas na universidade. E não nos iludamos. O ego ferido gera vingança e, na política de bolsas, o corte do nome do bolsista da lista é muito mais fácil do que nós, bolsistas, imaginamos. Triste realidade que merece reflexões e transformações. Espero que a mudança do sistema não demore tanto assim! Abraços!