Há pouco tempo atrás eu dei de cara com um depoimento do Feynman (um dos maiores divulgadores de ciência da atualidade) em que ele afirmava que “a ciência era irrelevante”. Essa informação impactante não afirmava que ele em si achava a ciência irrelevante, mas sim que, para a maioria da população, pouco importa se a terra gira ou não em torno do sol, se as informações genéticas estão contidas no DNA, da função das mitocôndrias, nem mesmo se partilhamos um ancestral em comum com os demais primatas. Se você perguntar a todos esses profissionais não acadêmicos e que não necessitem de um conhecimento científico apurado (i.e. pedreiro, padeiro, garçom, motorista de taxi…) a importância da ciência no cotidiano delas, é algo bem próximo de “nenhuma”.
Pois bem, não se prolongando no ponto de vista do Feynman, e aterrissando na pós-graduação, será que a visão atual desse almejo acadêmico não seria a mesma? Em outras palavras, seria a pós-graduação stricto sensu, irrelevante?
Talvez a típica pergunta “mas você só estuda?” já seja uma resposta bem interessante! Eu penso que, quem faz esse tipo de pergunta a um mestrando/doutorando não faz a mínima ideia da importância do estudo e da pesquisa que permeia tudo isso. E mais! Acha que “trabalhar” (e aqui eu peço licença para tirar a pesquisa de dentro do termo trabalho) seria uma atividade muito mais “nobre” e útil do que “somente” estudar, talvez pelo simples fato da carteira assinada, a qual foi uma conquista histórica do povo brasileiro e que, na visão de muitos, um trabalho só é trabalho quando assinam sua carteira. Não estou aqui dizendo que a carteira é irrelevante para o trabalho, pelo contrário, mas nem tudo que não tem carteira assinada deixa de ser trabalho.
Mas será que esse “menosprezo” em relação à importância da pós-graduação também não é culpa nossa? Quanto será que trabalhamos para superar o abismo entre a pesquisa e o público? A divulgação da ciência funciona? Como ela (a ciência) chega ao público?
Felizes os tempos em que o programa mais popular entre as crianças, O Mundo de Beakman (The Beakman’s Wolrd no original) era sobre ciência! Felizes o tempo dos gibis em que o professor pardal era um excêntrico inteligente. Hoje as pessoas, principalmente as pessoas mais novas, possuem certa indisposição sobre a ciência. Por que será que isso mudou em tão pouco tempo?
Será que levamos a sério a divulgação da ciência nas nossas vidas acadêmicas ou fazemos ciência só e exclusivamente pra cientistas? Ou deixamos que as pessoas pensem que o que fazemos é irrelevante pela simples omissão? Pensemos.
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Texto escrito por Heideger Nascimento, Biólogo e Mestrando em Ecologia e Evolução – UERJ
Este post é uma resposta à proposta de blogagem coletiva lançada em “Qual é o valor do aluno de pós-graduação stricto sensu?“. Faça a sua colaboração também!
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Tenho que discordar de você, o fato de termos hoje revistas internacionais de divulgação científica e o surgimento de nacionais (como a pesquisa fapesp, embora as da globo e da abril sejam ridículas hoje comparadas com suas versoes dos anos 80 e 90) só revela que o publico em geral tem se interessado mais por ciencia e mesmo pelas humanidades, vide as revistas Filosofia, Historia, Lingua Portuguesa, etc. O leigo pode não valorizar a ciência, mas ele quer ter wifi em casa, um gps, fazer pipoca no microondas, que a qualidade de ensino da escola do seu filho melhore, etc. e isso só acontece com investimento em tecnologia e pesquisa, mesmo nas humanidades, que além de produzirem conhecimento tem a função de formar professores para a educação básica e funcionários para o funcionalismo público em geral.
Olá Luisandro,
Muito obrigado por ter lido o texto e comentado.
Sim, concordo, que de uns tempos pra cá muitas revistas científicas surgiram e a demanda por elas aumentou, mas isso era o esperado, uma vez que a tão criticada escolaridade da população brasileira aumentou (em níveis bem abaixo do que poderia ser, mas ainda sim foi um crescimento). Hoje temos um maior número de pessoas nas universidades e por isso criou-se espaço para que essas revistas surgissem. Não estou dizendo que somente universitários (alunos e professores) lêem esse tipo de revista, mas com certeza é a grande maioria do público!Sobre as inovações tecnológicas no cotidiano, sim nesse aspecto todo mundo gosta de ciência. Se eu disser que estudo num 1) projeto de pesquisa que visa aumentar o rendimento da gasolina para que uma quantidade menor sirva mais, todo mundo vai se interessar, mas se eu disser que trabalho com 2) “medidas mitigatórias de dissipação de calor na combustão de hidrocarbonetos em veículos automotivos” o povo vai achar uma chatice, por mais que sejam a mesma coisa, só pelo jeito “erudito” que eu falei. Se nos policiarmos a falar dos estudos que fazemos de forma parecida com o modo 1, iriamos despertar maior interesse do que no modo 2, que paradoxalmente é o que costumamos usar. Afinal, toda pesquisa tem o intúito de melhorar alguma coisa em algum momento, mas nem todo mundo enxerga isso. Abraços
Não creio que a culpa seja nossa. Ainda como graduando testemunhei o esforço da Faculdade em fazer da extensão algo cotidiano, estreitando os laços entre a instituição e o público-alvo das linhas de pesquisa; a falta de público tornava o esforço praticamente inútil.
Acho que a influência da mídia fez um excelente trabalho ‘emburrecendo’ a população, porque é bem mais divertido ver um jogo de futebol na TV do que prestigiar um evento científico na cidade.
Não desmereça o futebol para elevar outras atividades, não é culpa dele.
Não é culpa do futebol, mas é culpa da supervalorização que ele tem sobre aspectos mais importantes, BEM mais importantes. Nem precisamos comentar sobre o dinheiro que ele envolve, pois todos sabemos…
Sim, mas não deixa de ser importante. Futebol é filosofia pura.
O Futebol não deveria estar aqui, pois o espaço é para elementos mais importantes.
Sempre culpa da mídia…
A mídia não tem culpa de nada. Ela só dá ao povo o que o povo quer, pelo óbvio motivo de querer lucrar.
A mídia emburrece o povo pq o povo quer ser burro!
Olá Diego, primeiramente obrigado por ter lido o texto.
Eu concordo com o que você diz sobre alguns projetos de extenção não “irem pra frente” pela falta de público, eu mesmo já participei de alguns que terminaram assim. Contudo, não acho que as pessoas vão vencer essa pouca vontade de ver ciência do dia pra noite. Alguns projetos vão sim falhar no quesito “despertar a curiosidade”, infelismente sim, mas isso não pode nos impedir de achar outra maneira de instigar a curiosidade sobre ciência, pois assim como é como qualquer experimento, precisamos errar algumas vezes pra poder acertar na medida.
Olá amigo ótima colocação. Realmente acredito que antigamente o pessoal era mais interessado em ciência. Lembremos das feiras de ciências e tudo mais. Não sei se ainda tem isso hoje. Mas lembro trambém que existiam alguns desafios, tipo olimpíadas de matemática ou de física.
Acho que falta competitividade. Atualmente com a informação a distância de um clique, as pessoas tem menos vontade de manter o conhecimento na cabeça, se ele pode estar armazenado na Internet. Em outras palavras, porque tenho que aprender se isso está ao meu lado? (Smart Phones, Tables, etc…)
O que todo esse pessoal não consegue ver é que o conhecimento que já foi descoberto é a base para novos descobrimentos, ou seja, nós que estamos envolvidos em projetos científicos sabemos disso, mas talvez para a maioria das pessoas seja algo irrelevante.
Ter idéias, em qualquer profissão, é motivacional. Tudo que fazemos para melhorar nosso trabalho, nossa vida nos dá prazer e orgulho.
Talvez isso esteja esquecido, que o que é importante não é a ciência em sí, e sim a metodologia científica. Não é o conhecimento descoberto, e sim o que nós mesmo somos capazes de deduzir e descobrir.
Abraços.
Olá Diogo, é exatamente isso.
Obrigado por ter lido e comentado. Abraços.
Certamente ficarei pensando nessas suas ponderações por longo dias. Parabéns pelo texto inquietante. Abraço.
Obrigado Sarah.
Que bom que meu texto conseguiu atingir esse tipo de reação.
Concordo total com o txt. Os cientistas estão fazendo ciência para os cientistas dos cientistas. Tudo é mt específico e a arrogância de mts é o principal fator q cria o abismo entre a sociedade e comunidade acadêmica. A exigência de artigos em revistas de alto fator de impacto nos consome e quase não sobra tempo para a divulgação daquilo q foi pesquisado. É uma pena.
Olá Patrícia! Obrigado por ter lido e comentado. Escrever de forma científica é realmente algo complicado, mas com o tempo nos aprimoramos de tal forma que esquecemos de como abordar isso para o público menos esclarecido. É realmente uma pena. Abraços
É irrelevante, sim. Já terminei o mestrado e posso dizer que, a não ser para mim, foi algo extremamente irrelevante.
http://www.youtube.com/watch?v=SgLepzpxXYI&feature=relmfu
hahahahaha… eu já dizia isso há muito tempo… ela é irrelevante porque a gente faz ciência para cientista, é irrelevante porque fica arquivada na biblioteca da universidade… e por aí vai… Eu vou morrer com essa inquietação!!!!!!!!
Nossa, parabéns pela reflexões no referido texto. São reflexões que faço todo o tempo. Ciência para o que e para quem. O trabalho se instalou de tal forma na mente das pessoas, que quando observam algo diferente já encaram aquilo como anormal. A velha pergunta “mas você só estuda” apenas confirma isso. A mídia como o Diego comentou realmente exerceu e exerce grande influencia sobre o nosso povo. A luta companheiros é grande. Acredito que a extensão seja um desses caminhos, mas percebo que muitas vezes é pouca estimulada em muitos departamentos.
como a ‘ciência’ quer proporcionar os avanços na sociedade,
se ela reproduz, em meio ao seu “seleto” grupo, os mesmos ‘vícios’?
(adjetivando o preconceito, manipulação, arrogância vistas em alguns profissionais…
(infelizmente peco por generalizar, mas sabendo, felizmente, que que haverão exceções)
As pessoas quando perguntam “vc só estuda?” não é forma perjorativa e sim um espanto, pq só estudar, sem um complemento de renda, é um luxo que poucos podem desfrutar…
O texto é realmente muito bom, pois toca em um assunto que todos nós, da vida acadêmica, vivenciamos.
Faço mestrado em genética e biologia molecular, e diversas vezes tive que me confrontar com essa situação, mas eu sempre assumi uma posição que traz “relevância” ao que faço.
Sempre tentei fazer com que as pessoas a minha volta percebessem a importancia do meu trabalho e o que ele vai trazer em benefício. Tudo o que fazemos como profissionais do meio científico é benéfico. Acho que as pessoas “de fora” tem apenas que descobrir isso, pois a maioria delas são leigas em relação a este mundo. Não devemos deixar a conduta de extenção apenas para as instituições. Temos que fazer com que o irrelevante tratado no texto se torne relevante a nível pessoal, e a todos que tem contato direto neste mesmo nível.
Ah, é exatamente isso que me incomoda. Não querendo me colocar acima das outras áreas perante esse problema, mas nas agrárias (faço parte) se a extensão não for forte e cotidiana, fazemos ciência para ninguém. Se por um lado temos a Embrapa, por outro só temos a Embrapa.
O que me incomoda é a falta de vontade de transformar os erros em acertos, e eu digo isso englobando o Brasil inteiro. Sabemos bem que vivemos no país do ‘jeitinho’. Enquanto der pra remendar, vai indo com esse vestido velho mesmo.
Podemos brigar contra este sistema? Podemos. Mas certamente não vamos viver tempo o bastante para ver os frutos dessa briga.
Na boa, concordo com boa parte do texto, mas muito desse descontentamento colegas, vem de um orgulho ferido. Houveram os áureos tempos em que a ciência representava a salvação da humanidade, e os cientistas, os paladinos dessa salvação. Isso não foi na última geração, isso foi na primeira metade do século XX. Bom, as guerras e armas nucleares mostraram que não é bem assim, mas a ciência continuou guardiã desse poder de bem e de mal. Na nossa geração cada vez mais pessoas tem acesso às universidades e a ciência saiu do seu altar para ser feita e discutida (sim, esse, “você só estuda?” também faz parte disso) por cada vez mais pessoas. A primeira coisa que aprendemos quando começamos a fazer ciência é de ela é falível, frágil e provisória. Daí as pessoas não terem mais aquela fé tão grande nos cientistas. Eu acho isso muito válido, mas acho também que ela deva ser mais acessível e democrática como colocou o colega no texto. Para que se avance não só em tecnologia, mas em uma cultura de conhecimento.
Muito bom o seu texto. Mas vou colocar aqui alguns fatos.
Faço faculdade de comunicação e me formo no final do semestre. Quero fazer mestrado e vou ter 6 meses para me preparar. Mas para meus familiares, isso é completamente errado. Não que estudar seja errado, mas é como a colega disse ali embaixo: isso é privilégio de poucos. E com as bolsas oferecidas pelos orgãos que se dizem apoiadores da pesquisa e do desenvolvimento científico brasileiro, o que você prefere? Trabalhar 8 horas e ganhar um salário de quase 3 mil reais ou estudar 12, 13 horas por dia e ganhar uma bolsa de 900 reais?
Vejo meu namorado na pós-graduação, fazendo de tudo, não trabalhando porque perderia a bolsa (isso quando sair, porque no programa dele só sai daqui uns meses ainda) e fazendo um trabalho que para nós comunicadores tem uma ultra relevância, mas que para um usuário comum de internet é completamente bobo. E sei de amigos deles que fazem coisas completamente sem relevância para a sociedade.
Quando eu era mais nova, adorava programas de ciência e as aulas da ciência da escola. Ali meio que ensinavam coisas, mostravam como funcionava, o que era. Na Universidade eu não vejo isso. A UFG faz todo ano um evento chamado “Espaço das Profissões”, que trás gente de escolas do estado para conhecer a universidade. Mas fecha os alunos da pós-graduação em suas salas para ter aula ao invés de apresentar para a futura geração que vai entrar na Universidade a conhecer seus projetos, o que eles fazem, quem são responsáveis. É o caso da ciência ser exclusiva de cientistas, e não do povo.
Concordo com a questão da mídia citada em alguns comentários abaixo, mas não culpo só ela. Muitos canais não estão nem aí pro que está acontecendo e boa parte da população também não está nem aí. Mas bons programas, até na televisão aberta, falam de ciência, mas ninguém se interessa. E não se interessa porque isso começa de novinho. É uma escola que obriga os alunos a estudarem horas e horas por dia e que não dá orientação de por exemplo: “Hoje vocês estudaram tal matéria. Quem tem o canal tal em casa, em vez de estudar somente pelos livros, assiste e aprende um pouco mais.”. A mídia tem esse poder de ensinar quando quer, e cabe a nós pesquisadores, de qualquer área, mostrar a quem faz o conteúdo que várias coisas estão sendo descobertas e que podem ser mostradas ao grande público.
E a extensão? Eu acho que é a melhor coisa que tem. Mas muitas universidades não abrem os seus espaços para a real extensão. Para ensinar, para dar uma profissão. Onde eu estudo, o projeto de extensão deles é uma coisa do gênero: temos um curso de educação física onde nossos alunos dão aulas para a comunidade. Mas fica longe da casa de muitos, são em horários que não são acessíveis. Não tem um projeto que pode ir até onde a criança está e oferecer.
Em julho de 2011, tivemos em Goiânia a reunião da SBPC. Sabe quantos alunos de escolas eu vi? Nenhum. Um evento enorme, com muitas coisas sendo ensinadas, professores e pesquisadores de vários lugares e eu não vi a participação da comunidade. Mas a imprensa cobriu. Das Universidades, televisões locais, jornais. Podiam ser notas que fossem, mas estavam aqui. E as pessoas não se interessaram.
O que me dá mais tristeza é ver que muitas pessoas querem mudar pelo menos a rua com suas pesquisas, mas não tem apoio e não tem para quem mostrar. É chato, mas uma hora vai mudar.
Desculpas, mas isso não tem relação com o fato de algumas teorias e modelos serem completamente impraticáveis por pessoas mais “praticas”? Em outras palavras, serem completamente não funcionais, se analisarmos o material produzido por acadêmicos teremos uma visão que a grande maioria faz uso de estruturas complexas aquele material a pessoas do seu nível e não ao “púbico”. Acredito que os académicos tem culpa no fato de não serem mais “públicos”.
O chamado a reflexão foi mesmo muito interessante, a questão é de natureza cultural, dai a pergunta que magoa: – Você só estuda? O que acontece é que o conhecimento de nível a capacitar os que fazem ciência, ainda é um privilégio de que pode estudar… esse abismo deve ir acabando a partir da democratização do ensino.
Qualquer dia desses você vai encontrar: “Acompanhante nível Lattes”. Só para pós-doc!! uhauhauha!!
Bem, sobre a temática “trabalho e pós-graduação”, farei um acréscimo mais amplo, simplificado, buscando contribuir com conceito de “Trabalho” que pós-graduandos ou não, mas sobretudo brasileiros, assumem diante das responsabilidades diárias. Inicialmente gostaria de resgatar duas situações interessantes e profundamente distintas acerca da escolha ideológica do que significa “Trabalho”. Ressalta-se, “escolha ideológica”, que pelo menos a meu ver, explica muito da história desse país além de um outro ponto, um tanto quanto preconceituoso, que é “o jeitinho brasileiro de fazer as coisas”.
A primeira definição de trabalho, denota do ato ou a ação de criar, fazer com as mãos, dar origem, formar, construir. Essa definição, elaborada pelos gregos, utilizada sobretudo por Platão, estava e está intimamente ligada à criatividade, situação individual e sentimental onde o criador se vê e é visto na obra, o criador se sente parte da criatura assumindo completamente sua autoria, se afirmando como tal, majestoso, capaz, ou seja, existe um sentimento romântico, responsável, apaixonado pelo resultado do trabalho ou da criação. Essa definição advém da palavra Poiesis, mais tarde assumindo a conotação de poesia, onde o ato de criar configura-se no campo das palavras, mas que em nenhum momento deixa de ser verdadeira na sua magnitude.
Assumindo-se a contextualização religiosa politeísta dos gregos, autores do conceito de Poiesis, os cristãos de agora podem muito bem visualizar essa definição como observado no livro do Gênesis 1:27 “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.”
A segunda definição de trabalho que nós, especialmente os brasileiros, adotamos e com muito fervor, tem origem no Latim, e assim sendo, Trabalho, vem da palavra Tripalium, que do latim arcaico significa literalmente “três paus”, um instrumento utilizado (por alguém) para bater, castigar, ferir escravos e animais (outros), principalmente quando estes executavam alguma tarefa, labuta ou função que desagradava o trabalhador, indivíduo que portava o Tripalium. Logo, executar (tarefas) e labutar são palavras advindas de Labore, que no sentido latino adiciona sentimentos de aspereza, repugnância, dificuldade, sofrimento, castigo, tristeza e medo aos que executam alguma coisa. Ou seja, quem trabalha não deseja se ver na obra, não é autor e expressa ojeriza ao sentido de trabalho, resultando que trabalhar e labutar são coisas vergonhosas e degradantes, respectivamente.
É por isso que costumamos ouvir a frase “Você não trabalha, só estuda?” ou a clássica “Se você não estudar vou te colocar pra trabalhar” ou a mais recente “Estude, porque uma caneta é mais leve do que uma pá”.
São conceitos assumidos como verdadeiros devido a história escravocrata, religiosa, devido a relação de poder, no “manda quem pode e obedece quem tem juízo” sobretudo no Brasil e em todos os espaços, seja dentro de casa, que por conveniência (ou não) a mulher trabalha e o homem ajuda; o doutor orientador professor é o dono da verdade absoluta e o orientado continua sendo aluno – o que não tem luz e assim seguimos cumprindo o currículo.
Não estou afirmando que os gregos não tinham escravos ou que outros povos também não tinham, ou mesmo que relações de poder não existem, estou falando de escolher uma ideia como verdade sem muitas vezes conhecer de fato seu significado, como é o caso da palavra trabalho; estou falando de como se ver em relação ao resultado do trabalho ora executado, por isso entre labor e poieses, garanto que por vezes eu labuto noutras eu poetizo.
E é claro que a construção de conceitos envolve quantas variáveis forem possíveis e é verdade também que existem várias verdades e que a aplicação de uma ou de outra pode, dependendo do lado, sempre gerar resultados positivos e negativos, mas espero que pelo menos nos ambientes onde o objetivo é a troca de conhecimento, o diálogo, a ciência, a formação das pessoas, que é completamente diferente de educação, uma verdade seja absoluta: a capacidade de questionar, de duvidar, prevalecendo a vontade de aprender e apreender.
E só para dar os créditos – livre de regra – recomendo o grande autor brasileiro Mário Sérgio Cortela, em sua magnífica obra, “Qual a tua obra?” de onde “tirei criatividade” para essa contribuição.