Quem faz parte do meio acadêmico conhece bem a pressão por número de publicações. E por resultados. Um pesquisador que produza poucos artigos por ano provavelmente encontrará dificuldade para financiar sua pesquisa. Em casos extremos, pode até ser desligado do programa de pós-graduação, para que seu “mau desempenho” não afete o maravilhoso Conceito Capes do programa.
Pois um grupo de pesquisadores alemães publicou um manifesto on-line intitulado “Slow Science“, “Ciência lenta” – em tradução literal. Uma iniciativa inspirada em outros movimentos similares que surgiram recentemente, como o “Slow Food”, que prega o fim das refeições rápidas produzidas em escala e ritmo industrial nas grandes cadeias de lanchonetes.
No caso da ciência, os autores do manifesto defendem que as pesquisas sejam feitas com tempo para pensar, experimentar e até “quebrar a cara”, se for o caso. Tudo em um ritmo bem distante da rotina frenética de publicação na internet.
Em um trecho do manifesto, os autores afirmam:
“Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para digerir. Precisamos de tempo para discordar uns dos outros, especialmente ao promover o diálogo perdido entre as humanidades e as ciências naturais. Não podemos afirmar de forma contínua o que quer dizer ou para quê servirá a nossa ciência, simplesmente porque ainda não sabemos. A ciência precisa de tempo“.
Essa é uma questão polêmica, que já foi discutida algumas vezes aqui no posgraduando, como em “Publicar mais ou melhor?” ou em “Produção científica brasileira: quantidade ou qualidade?“.
Embora a iniciativa dos autores do manifesto seja positiva no sentido de chamar a atenção para uma discussão importante, creio que de nada adianta desacelerar a ciência se antes não forem resolvidos os problemas com financiamento, avaliação e divulgação das pesquisas.
Um pesquisador que siga a risca os conselhos do manifesto provavelmente irá desacelerar apenas a própria carreira, sem maiores consequências para o meio acadêmico ou para as políticas de públicas de pesquisa científica.
Entretanto, não há como negar que para se produzir pesquisa básica, daquelas que irão originar grandes descobertas, novos produtos, novas tecnologias e/ou que gerem novas patentes, é preciso de tempo. E correr riscos. Uma pesquisa em um ramo totalmente desconhecido é mais arriscada do que aquela que “faz chover no molhado”. E como fica a produção científica do pesquisador que se aventura por esses caminhos?
É preciso encontrar um meio termo. E embora o manifesto do “Slow Science” não seja a solução para todos os nossos problemas acadêmicos, com certeza serve de ponto de partida para uma importante e necessária discussão sobre o tema.
Legal. Traduzi para o português e enviei pra eles.
Concordo com o manifesto. Muitas vezes fico me perguntando sobre a pressão que existe pra que produzamos sempre mais, mais, mais. Creio que a pergunta base pra que um artigo fosse publicado deveria ser: Essa pesquisa realmente acrescenta algo ao conhecimento ou é apenas “mais um”? Serve analogia com a música q diz “o melhor disco de todos os tempos de sucessos do passado” …, sinceramente tenho medo de estar sempre re-escrevendo velhos sucessos!
Michelly
mestranda UFPR
Detalhe que os pesquisadores que propõem o movimento tem em média de 6 a 10 artigos publicados em revistas com fator de impacto por ano. A slow science deles é a Fast Science da maioria dos pesquisadores brasileiros
Acredito que a questão essencial na discussão sobre desacelerar a ciência não seja de fato diminuir o ritmo de toda ela, mas sim criar o movimento para que a “ciência lenta” e a “frenética” possam coexistir.
Se analisarmos mais profundamente, não há sentido em eleger uma velocidade comum a todas as pesquisas e, por conseguinte, todos os ramos da ciência.
Mas de fato, a luta deve passar pela flexibilização das modalidades de financiamento e avaliação das pesquisas.
Pelo atual modelo brasileiro de recompensa, se um pesquisador trabalhar durante dez anos numa pesquisa e ao final tiver publicado apenas um livro, isso é mal visto; ainda que os resultados publicados nesse único volume venham a garantir um Prêmio Nobel.
Acontece que, por costume, acabamos culpando o governo federal e esquecemos que os governos estaduais e as universidades também têm seus programas para financiar pesquisas, esquecemos que os próprios centros, departamentos, programas de pós-graduação e professores estabelecidos não estão desconfortáveis com essa situação.
Assumir riscos é uma tarefa que, historicamente, cabe às gerações mais novas e aos menos favorecidos pelas políticas instauradas.
Em meus sonhos, a solução reside nos seguintes pontos:
– Diversificação das modalidades de financiamento e quantidade de recursos, para permitir que pesquisas com retorno de médio e longo prazo também sejam contempladas;
– Viabilização de recursos para jovens doutores e também para não-doutores, acontece que o senso comum indica que apenas detentores do título doutor são capacitados a fazer pesquisa de qualidade, quando na verdade eles não são os únicos;
– Colaboração intra e extra universidades, quebrando paradigmas, preconceitos e pondo de lado disputas políticas caducas;
– Envolvimento massiço da iniciativa privada, o que geraria patentes, serviria como nova fonte de financiamento e aproveitaria melhor o capital humano desenvolvido pelos programas de pós-graduação que populam o país;
– Política de internacionalização focada no estudante, pois dobrar o número de bolsas (que sobram em várias universidades) me parece uma forma equivocada de incentivo, melhor seria manter a quantidade de bolsas e dobrar o seu valor.
Sou a favor da Slow Science, nos termos destacados pelo posgraduando.com, a gente precisa ter tempo para amadurecer nossas ideias e experimentá-las.
Precisamos de fato articular nossos resultados de pesquisa à prática.
O que tenho visto na área da saúde em minha realidade local (Cuiabá-MT), são profissionais da assistência e profissionais da academia alienados ao processo de produção. Não há troca!!!
Nossas contribuições são muito bem guardadas em estantes, mas não produzem mudanças.
Concordo com muitos dos tópicos apresentados pelo Severino, mas acho que principalmente, precisamos de um diálogo entre teoria e prática. Com espaços dialógicos e participativos.
Chega de isolar os sujeitos!
Chega de nos sentirmos impotentes!
Nós podemos! (Sem querer fazer trocadilho com Obama)
E mais, devemos contribuir, pois estamos escancarando realidades com nossas pesquisas, gerando expectativas nos profissionais que são sujeitos delas e no final o que fazemos?
Pegamos nossos títulos e vamos cuidar de continuar a produzir para manter um status quo…
Bem conhecemos nossa obrigação ética em não “deixar estar”, mas ainda não conseguimos condições para melhor intervir.
Precisamos muito dar continuidade a esses diálogos.
Num movimento mais organizado.
Pretendo tentar por aqui, assim que conseguir fechar meus compromissos acadêmicos, alguma discussão a respeito, que quem sabe ecoe noutras realidades…
Por falar em movimento organizado, minha orientadora comentou que a “deusa” CAPES cogita reduzir o tempo do mestrado para um ano e meio… E aí? Vamos deixar por isso mesmo?
Karyme Jabra
Mestranda em enfermagem FAEN/UFMT
Olá a todos.
Concordo que o modelo atual de avaliação tem dificultado a pesquisa de qualidade e um pouco de “Slow Science” seria muito bem vindo.
Segue em anexo o link para um artigo do Estadão que fala sobre o modelo atual de quanto mais publicações melhor. Ele não prega diretamente a “Slow Science”, mas mostra que os grandes pesquisadores de antigamente com certeza não conseguiriam atingir os padrões atuais da CAPES, mesmo tendo gerado pesquisas de alta relevância para a humanidade.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,darwin-e-a-pratica-da-salami-science-,1026037,0.htm
Abracos
vc le artigos que faltam partes. Pesquisa de qualidade e não de quantidade !
Mas eu já tenho um plano de fuga! rs
Pra mim esse papo de “slow science” é meio superestimado. Eles falam como se reduzir a pressão por publicações constantes fosse permitir que qualquer cientista de uma universidade pública brasileira virasse um gênio. Como se aquela professora da USP que só quer saber de coçar e publica 4 artigos em conferências nacionais de baixa qualidade por ano (meio que por obrigação), fosse começar a publicar artigos na Nature ou na Science de uma hora por outra.
Ah, troca esses 4 artigos em conferências nacionais por ano, por um artigo na Nature por ano, que a contribuição para ciência será melhor.
Não meu filho, a maioria dos professores da USP nunca terá capacidade de publicar um artigo na Nature, não importa o tempo e dinheiro que você invista nele. E olha que a USP é dita a melhor universidade do Brasil.
Portanto, já que não tem capacidade pra produzir uma picanha, que pelo menos cozinhe um arroz feijão, que não é grande coisa mas ajuda a matar a fome.