Quando o assunto de plágio foi tratado anteriormente, alguns questionamentos surgiram como “o que pode ser considerado cópia?”; “qual a diferença entre cópia e citação? E entre cópia e plágio?”. Estas questões levaram a outras de cunho mais filosófico tal como “se existe uma linha de pensamento por trás da cópia, até que ponto realmente trata-se de mera cópia?”. Acredito que fora do contexto filosófico isso seja um pouco mais difícil de ser aplicado, principalmente levarmos em consideração as hard sciences, que não são exatamente abertas a interpretações. Uma outra pergunta foi feita e pretendo desenvolve-la neste post: “por que determinados processos (mesmo que nocivos de modo geral) são legitimados e outros, mesmo sendo muito similares, condenados?”.
A sensação que muitos colegas descrevem ao fazer uma pesquisa com muitas citações é a de que estão costurando uma verdadeira “colcha de retalhos”.
Esta afirmação é nociva uma vez que compreendemos o conceito de citação mais como base de fundamentação teórica do que como o produto final ou principal da pesquisa. Trato este assunto apenas como pesquisadora da área de humanas, entendendo que esta situação pode ou não proceder igualmente nas áreas de exatas e biológicas. Acredito que se faz muito necessário que exista uma linha de pensamento que o leitor – outros pesquisadores da área – possa identificar como sendo nossa. É isso o que diferencia pesquisas que são meras colchas de retalhos, vazias de conteúdo e de discurso próprio (apenas uma repetição do que já vem sido dito por orientadores e autores consagrados), de pesquisadores comprometidos com seu avanço pessoal e de seu trabalho.
Compreendo que determinados artigos sirvam como ensaios e até como exercícios pela busca de uma literatura mais aprofundada sobre determinado tema. Mas já tive o desprazer de ler vários artigos no formato “colcha de retalhos” (onde era difícil enxergar o autor e sua opinião) que foram perfeitamente legitimados pela academia, enquanto o plágio é imediatamente banido e repudiado. Ambos os casos deveriam ser combatidos, mas o fato é que não são igualmente. A pesquisa medíocre tem um alto valor enquanto a anti-pesquisa é condenada sumariamente, sem direito a maiores explicações, caso seja comprovada. São processos diferentes que visam um mesmo, único e sagrado objetivo: mais publicações. E atingem igualmente uma mesma meta: o empobrecimento do que está sendo produzido a priori para uma comunidade, e a posteriori para a sociedade como um todo.
Entendemos que a CAPES divulga orientações de combate ao plágio, mas consideramos essa uma questão que precisa ser trabalhada talvez com um olhar mais holístico, e de preferência não apenas quando alguém chega em uma graduação. Às vezes não é questão apenas de “tomar medidas mais enérgicas” contra plagiadores, mas de conscientizar e transformar uma comunidade culturalmente. Na UFSC existe um grupo de pesquisa muito ativo na questão de promover palestras sobre plágio a toda a comunidade acadêmica, o Grupo de Estudos em Direito Autoral e Informação (GEDAI) que pertence à pós-graduação em Direito. Acredito que as iniciativas deste grupo de pesquisa promovem não apenas uma maior conscientização sobre a questão de plágio, mas também a outras questões que concernem Direitos Autorais, o que é fundamental em uma comunidade acadêmica.
É sabido que o plágio é um ato que tem tanto conseqüências éticas (advertência, retratação, expulsão) e legais (processuais, criminais, demissões por justa causa) caso seja comprovado. Apesar de plágio ser considerado crime de acordo com a lei de nº 9610 de 19 de fevereiro de 1998 de Direitos Autorais, esta prática em ambiente acadêmico muito dificilmente acaba em processo penal. Na maioria das vezes são tomadas apenas medidas disciplinares como advertência verbal ou expressa e expulsão e/ou demissão em casos mais extremos. Só no ano de 2011, dois casos de plágio tiveram grande repercussão como o caso de um docente da USP que chegou a ser demitido e um caso mais recente envolvendo um docente da Unicamp.
A questão do publish or perish já nos é bastante conhecida. No entanto, existe outra questão que muitas vezes passa despercebida, que é a questão do próprio modelo tradicional de publicações acadêmicas, que independente das novas tecnologias, continua o mesmo. Embora hoje vários periódicos de alto nível veiculem seu conteúdo em plataformas online, o modelo tradicional de publicação científica, com todos os requisitos, critérios e santificado pela revisão de pares, é o único reconhecido, validado e aceito mundialmente, em se tratando de pesquisa de nível superior.
Para quem tem um interesse mais profundo acerca do tema de comunicação científica e publicações, recomendo a leitura de um artigo que ajudei a traduzir em 2009 chamado “Reinventando a Publicação Acadêmica Online”, publicado originalmente no periódico interdisciplinar First Monday. Os autores são muito pontuais quando descrevem o que chamam de Sistema de Intercâmbio de Conhecimento, demonstrando suas várias falhas. A partir do artigo podemos inferir que todo o rigor da publicação científica tradicional e da avaliação por pares não impedem erros graves – e plágios – na ciência. Em um editorial da revista Química Nova deste ano (a mesma onde ocorreu um caso de plágio) os próprios editores constataram que o mecanismo de avaliação pode ser falho.
Como foi dito no editorial citado, os pares são pesquisadores muito especializados: entendem muito das técnicas e metodologias. No entanto, têm dificuldade de acompanhar e estar a par de absolutamente tudo o que ocorre em uma comunidade científica, às vezes até internacionalmente. A explosão de informações que ocorreu na última década e as tecnologias de comunicação e informação tiveram grande impacto em vários setores, mas o modelo tradicional de comunicação científica e publicação acadêmica ainda resiste, e nos parece cada vez mais incompatível com a realidade atual.
Pesquisadores atualmente não têm escolha entre o publicar ou perecer justamente por conta deste modelo engessado, que ainda é o estabelecido. Espaços que sejam colaborativos, reservados para a inovação, criatividade e experimentação em ciência e tecnologia ainda permanecem fortemente marginalizados e não reconhecidos – ocorrendo em qualquer lugar que não dentro das universidades. Só nos resta imaginar até quando este mesmo modelo de publicação e reconhecimento da ciência como tal se sustentará e quantos casos de plágio e de publicações de péssima qualidade terão de acontecer para que este tipo de cultura comece a ser repensado.
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Texto escrito por Dora Garrido, acadêmica do curso de Biblioteconomia na UFSC.
Recomendo fortemente a leitura do que a IEEE tem a dizer sobre plágio. O texto está disponível em http://www.ieee.org/publications_standards/publications/rights/ID_Plagiarism.html
Alejandro
Algumas questões me incomodaram na redação deste post. Vou tentar explicitá-las e tecer alguns comentários.
1. A questão filosófica por trás do plágio é talvez mais complexa de ser tratada sobre o plágio do que a questão prática. Ora, determinar uma linha de pensamento de certo indivíduo e SUPOR que está é plágio ou desenvolvimento de uma ação científica é um processo extremamente complexificado e talvez abranja questões dentro das neurociências para estudos de uma explicação plausível. Assim, creio que o que é plágio ou não seja tênue ao extremo. Basta verificar se descobertas/pesquisas realizadas até certo tempo e que fundaram conceito primordiais e diferentes áreas não citados. A resposta é: raramente. E quando são, não passam de uma contextualização histórica.
2. Todo mecanismo é falho, passando ou não pelo crivo de especialistas. Como o próprio texto mostra, é impossível que um especialista conheça toda a literatura. Ora, a questão então não envolve “novos de publicação”, como blogs, mas envolve compreender que falhas vão ocorrer em qualquer tipo de sistema e que um sistema afirmado e constituído por pares avaliadores é de suma importância para que a ciência evolua. Não creio que o simples despejo de informação na rede com a criação de um “salve-se quem puder” (ou “entenda quem puder”) seja forma mais adequada de difusão de conhecimento. Seria esse o elemento de “realidade atual”? Meu ver é que a ralidade atual, e creio que a futura também, exige avaliação séria e capacitada. Deixar “para que o leitor decida” é apenas um caos proposto por uma web dita social e caótica, como a sociedade é (por isso a necessidade de agentes reguladores).
3. A questão do “publicar ou perecer” é pontual e é considerada como meta. As agências de fomento cobram isso e o fazem de maneira correta 9ainda que seja controversa). Muito se pensa mal (e se fala mal) dos processos de avaliação plenamente quantitativos e minimamente qualitativos. Se analisarmos com um pouco mais de calma vamos ver que a coisa não funciona dessa maneira. Primeiro, existe um pequeno grupo de autores que publica em grandes revista. Existe um grupo maior de autor que publica em revistas intermediárias ou pequenas. A citação realizada pelo segundo grupo geralmente envolve os do primeiro, levando em conta que, além do rigor científico e expressão de autoridade exercido pelos autores, a revista teve um crivo rigoroso pelo pares. Ora, estamos aí atestando o grau de qualidade das revistas, dos pares e dos autores. Então há qualidade no que o primeiro grupo realiza e não é meramente quantitativo. Também podemos compreender que a pontuação que é realizada a partir da publicação varia de acordo com o “fator de impacto” de um periódico. Assim, a corrida para publicação deixa de ser somente quantitativa, passa a ser qualitativa para que seja possível a publicação em revistas conceituadas.
Haveria mais pontos a abordar e esse tema (provavelmente) não tem fim. Creio ser oportuno do debate e só assim chegaremos a uma conduta ética.
Excelente!
pra ser considerado plagio.. são quantas linhas pra ser plagio?
Quando fica constatado que uma pessoa plagiou uma obra, onde e como fazemos as denuncia? No caso da pessoa ser um servidor público que se valeu da publicação da obra dele e assimter alcançado títulos e portanto aumento salarial…