Era 2009 e eu estava no prédio da biologia.

Cheguei cedo e aguardava, tranquilo e entediado, num dos jardins internos, a hora de me dirigir para a sala da pós-graduação.

Resolvi caminhar um pouco e num dos corredores encontrei uma conhecida que trabalhava em um dos laboratórios.

Ela me cumprimentou, mas ao invés de retribuir a gentileza, sai correndo do local, subi dois lances de escada para o andar superior e fiquei escondido num canto torcendo para ninguém aparecer.

Tudo foi muito rápido, mas até hoje lembro da expressão da moça, assustada, com os olhos arregalados, sem entender o que havia acontecido.

Passado aquele momento, percebi que algo estranho, com tendências ao esquisito, havia acontecido comigo.

Não que eu me considere uma pessoa normal, mas aquela reação foi sinistra até mesmo para mim, apelidado pela professora de estatística de “out-lier”.

Até hoje mantive segredo sobre o episódio, pois tinha receio do julgamento alheio.

Contudo, as inúmeras matérias sobre saúde mental na pós-graduação publicadas nos últimos tempos me motivaram a contar a minha história e compartilhar algumas técnicas de coaching para te ajudar a segurar essa barra.

Eu penso que o primeiro passo é estar consciente da profundidade e complexidade do problema, principalmente para entender que todos estamos vulneráveis a essa silenciosa ameaça.

Erga a cabeça, estufe o peito, faça uma pose de Super-Homem ou Mulher Maravilha e vamos em frente conhecer um pouco sobre a anatomia desse dragão-de-sete-cabeças.

A alguns meses atrás, a questão dos suicídios na pós-graduação tomou conta das manchetes e deixou os especialistas assustados.

O jornal A Folha de São Paulo, após publicar a reportagem “Suicídio de doutorando da USP levanta questões sobre saúde mental na pós” recebeu 272 depoimentos de discentes de pós-graduação relatando suas dores, o que deu origem ao artigo “Estudantes de mestrado e doutorado relatam suas dores na pós-graduação”.

E de acordo com o artigo “Ph.D. students face significant mental health challenges”, publicado pela poderosa Science, o problema não ocorre apenas nas universidade brasileiras.

Mas, nem tudo é só choro e ranger de dentes.

A Professora Laurie Santos, da universidade de Yale, criou uma disciplina intitulada “The Science of Well-Being” (A Ciência do Bem-Estar), cujo objetivo é que os alunos aprendam a ciência da felicidade e a ponham em prática.

Pelos números, lá também tem muitas pessoas procurando a tal da felicidade.

A disciplina bateu o recorde de matriculados, com 1.200 alunos inscritos.

O recorde anterior era de 1.050 na disciplina “Psicologia e a Lei”.

O sucesso foi tão grande que ganhou uma versão online, que agora disponível com legendas e totalmente gratuita, no site Coursera. Para acessar, basta clicar neste link (BBC Brasil, 2018).

Infelizmente, ainda não foi traduzido para o português, mas se você lê razoavelmente em inglês acredito que valha a pena o esforço.

E agora, vamos as técnicas que te prometi, e que são baseadas em estudos da psicologia positiva, criadas pelos psicólogos e pesquisadores Martin Seligman e Mihaly Csikszentmihalyi (Kamei, 2014), e por seus desdobramentos, que resultaram no termo “Ciência da Felicidade”.

Você deve fazer os exercícios todas as noites, antes de ir dormir.

A primeira técnica vai te ajudar a reduzir a ansiedade e, adicionalmente, minimizar a insônia.

Técnica do download mental

Pegue uma folha de papel e faça um download de tudo que você tem que fazer numa lista.

Coloque tudo, tanto as tarefas acadêmicas como as pessoais.

Quando terminar, fale mentalmente: “Cérebro, acabou o dia de trabalho. Até amanhã”.

Como cérebros, em geral, são teimosos, ele pode não aceitar da primeira vez e você deve insistir com mais firmeza (confesso que quando tomei contato com essa técnica achei ela meio esquizofrênica, mas a verdade é que funciona).

Para as duas técnicas seguintes, eu sugiro que você use um caderno pequeno, tipo Moleskine ou capa dura, que funcionará como um diário.

Reserve a primeira página para anotar como fazer os exercícios, para que você as tenha sempre à mão.

meditacao

Técnica do Perdão

A segunda técnica é a do Perdão, porque não tem como ser feliz com a mente atormentada por mágoas, raiva e remorso.

É como querer subir uma montanha levando nas costas uma mochila carregada de pedras.

O perdão envolve três dimensões:

  • Perdoar a si mesmo: Consciente ou inconscientemente, carregamos a culpa pelos atos que causaram prejuízos a nós mesmos, sejam coisas que fizemos ou deixamos de fazer.
  • Perdoar o que os outros fizeram a nós: Perdoar não é esquecer e você os perdoará não porque eles merecem perdão, mas porque você merece paz.
  • Perdoar o que fizemos aos outros: Não tem jeito, também somos humanos e prejudicamos os outros.

Calma, você não precisará falar para as pessoas que as perdoa e nem pedir perdão.

Você fará o exercício na segurança e sigilo da sua casa.

Só quem ficará sabendo será você, seu caderno, sua consciência e Deus (se Deus fizer sentido para você).

Na segunda página, a da esquerda, escreva na primeira linha “Perdão” e coloque a data do dia.

Em seguida, liste tudo que merece ser reciclado pelo perdão.

Quando terminar, contemple sua lista por um minuto e use a meditação do perdão (modificado de IBC, 2014):

“Por todas as coisas eu mesmo me feri, me magoei, me prejudiquei, sabendo o que estava fazendo ou sem saber, eu me perdoo e me liberto. Eu me aceito do jeito que eu sou.

Por todas as pessoas que neste mundo me magoaram, me ofenderam, me prejudicaram, sem querer ou querendo, eu perdoo cada uma dela, eu as perdoo e me liberto. Eu me aceito do jeito que eu sou.

Por todas as pessoas nesse mundo que eu prejudiquei, magoei, ofendi, por pensamentos ou palavras, gestos ou ações, consciente ou inconscientemente, eu peço perdão a Deus/Universo. Eu peço perdão a cada uma dessas pessoas. Eu me desconecto delas. Eu me aceito do jeito que eu sou.”

Agora que você já tirou da sua mochila todo o aquele peso que te atrapalhava, vamos enchê-la com coisas que te vão te ajudar a subir a montanha.

conquistas

Técnica da Gratidão

Na terceira página, a da direita, escreva na primeira linha “Gratidão” e coloque a data do dia.

Em seguida liste todas as coisas que merecem sua gratidão.

A maioria das gratidões serão coisas pequenas, que deixamos de dar valor porque ficamos “amortecidos” pela rotina.

Na minha lista diária de gratidão aparecem coisas como a comida que minha esposa fez com tanto carinho, o fato de eu estar vivo para acordar de manhã, a conversa empática com a atendente da conveniência, uma etapa de projeto concluída.

Claro que também tem as coisas maiores, como o convite para dar um minicurso num congresso científico nacional.

Quando terminar, contemple sua lista de gratidões e use a meditação da gratidão:

“Por todas as coisas boas que aconteceram no dia de hoje, pequenas e grandes, tangíveis ou intangíveis, eu agradeço a Deus/Universo. Eu me permito ser merecedor destas e de todas as outras coisas que ainda virão.”

E para fechar este artigo, quero te contar o desfecho da história sobre meu surto no mestrado.

Poucos dias depois retornei à cidade que eu moro, no interior do estado, e procurei uma psicóloga.

Fiz algumas sessões de psicoterapia, me livrei da Fobia Social e aproveitei para dar uma reformada no psíquico.

E, com esse desfecho, quero deixar claro que as técnicas que te passei tem o propósito de aumentar seu nível de disposição, produtividade, felicidade e motivação, da mesma forma que exercícios físicos e uma alimentação saudável contribuem para o bem-estar e prevenção de doenças.

Se por acaso você desconfiar que já desenvolveu alguma psicopatologia, não se sinta desconfortável em procurar um psicólogo.

A vida é muito curta para cultivar o sofrimento.

Se você gostou, compartilhe com seus amigos. Tenho certeza que eles ficarão felizes por você ter se lembrado deles.

Não deixe de colocar nos seus comentários quais são seus desafios e dificuldades, pois assim posso elaborar outros conteúdos para te ajudar ainda mais.

Jaime Figueiredo é biólogo, mestre em Ecologia, doutorando em Biotecnologia/UFMT, empreendedor e coach de produtividade e alta performance.