Gregório Duvivier, em sua coluna semanal na Folha de São Paulo, descreveu muito bem um sentimento que me acomete há tempos: a vergonha parcelada. O termo se refere à constante lembrança de fatos ridículos e embaraçosos do passado, que ainda trazem desconforto e um certo sofrimento, ou seja, fatos dos quais teremos eterna vergonha.

Na Pós-Graduação, ambiente genuíno de “micos”, aprendizagem e superação, fatos embaraçosos acontecem com elevada frequência. Como aquela vez em que você perdeu um material importante em campo, e fez todo mundo perder a viagem; aquele nome científico errado que você disse (misturando reinos); aquele slide em branco que você esqueceu no meio da apresentação e na hora “H” ficou sem saber o que dizer, ou animações nos slides com as quais você se desentendeu na hora de apresentar (nota mental: parar de usar animações).

Aquela vez em que você não estava preparado para opinar sobre um artigo e sua opinião foi solicitada em público e você tentou improvisar algo; ou aquela piada “técnica” que ninguém entendeu e você pareceu um lunático e inspirou pena nos colegas (não raramente essas piadas ao invés de risos são acompanhadas por comentários do tipo “você tá precisando de férias, amigão!”).

Não para por aí! Lembra aquela vez que você “descobriu” algo revolucionário na sua pesquisa e quando contou para os colegas, eles conseguiram lembrar de pelo menos 2389×10^5 trabalhos dizendo a mesma coisa e você, que achava que tinha feito uma baita revisão de literatura, se sente muito mal?

Aquela interpretação errada que você fez de um artigo e alguém precisou cravar aquele punhal do “acho que você entendeu errado” na sua inocência; aquela vez que você mandou um e-mail errado sem querer para seu orientador (“gente, socialzinho hoje depois do expediente?”); aquela vez que você mandou um arquivo errado sem querer para esse mesmo orientador (fotoparaperfil.jpg); aquela vez que você esqueceu (consecutivas vezes) de anexar um arquivo em um email para esse mesmo orientador (e começa a se perguntar se ele te considera apto para Pós-Graduação).

Aquela vez que seu supervisor no exterior te perguntou uma coisa e você entendeu outra totalmente diferente e ele riu com certo dó de você; aquele artigo crucial que você não leu e só te contam na banca; e aquela vez que que você falou em alto e bom som “no meu Word não tem essa ferramenta” e, claro, todo Word tem essa ferramenta.

Mas poucas vergonhas no mundo são maiores que aquela que você sentiu quando seu orientador chegou de surpresa no lab, juntamente com outros pesquisadores que você super admira e você estava no Facebook / Youtube / Site de Receitas / Horóscopo / Site de Compras, navegando em sites não-acadêmicos, e você tenta clicar rapidamente em outra aba do navegador mas erra (e piora as coisas) ou aquela vez que você tem oportunidade, em um congresso ou coisa do tipo, de falar com um profissional que é um ídolo para você e você fica subitamente super tímido e sua capacidade de comunicar e de se fazer entender vai a zero e você diz coisas do tipo “mim Marcela, mim admirar você, mim trabalha coisa parecida você” (Ai, essa é ferida aberta! Essa dói!).

Ou, a melancolia e embaraço que sentimos quando lembramos daquele comentário exacerbado que fizemos em uma reunião quando estávamos cansados e que acabou tendo consequências muito maiores do que imaginávamos e rompendo laços (perdão!?).

Enfim, coisas que dão aquele frio da espinha só de pensar.

Todas essas ocasiões servem para nos lembrar do quão humano é o dia-a-dia dessa dita “elite intelectual” a qual pertencemos, de quão humanos somos e que os títulos que temos/teremos nada mais são que formalidades. O processo até consegui-lo é sofrido e, ao mesmo tempo, precioso.

Assim como Gregório, que enquanto escrevia sua crônica precisou parar pra se lamentar sobre os fatos que expôs, eu estou quase explodindo de vergonha aqui. Passei por todos!

Eitcha lelê!

Texto escrito por Marcela de Castro Nunes Santos Terra, engenheira florestal e doutoranda em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Lavras (UFLA).