Na verdade, este texto trata de um ensinamento que tive com um(a) grande Mestre(a), e tenho o enorme prazer de compartilhar com você, meu amigo Leitor. Me foi dito, categoricamente durante uma aula abarrotada de colegas: “Se quiser mentir, Cristiano, minta usando números”.

Desde então, tenho pesadelos kafkianos (bem reais por sinal) em que na manhã seguinte à matrícula na pós-graduação, acordo e me vejo como um número, minhas sensações se tornam dígitos, transo com um lattes abarrotado, minha identidade é um título pomposo e me drogo com garoupas empapeladas.

Uma pausa na ironia e no poético: o que quis dizer a partir do aviso do(a) Mestre(a), é que nunca construiremos um saber autêntico se não considerarmos nós mesmos e nosso mundo ao redor em nossa produto final.

O binômio “sujeito do saber-objeto”, assim como o “sujeito do saber-sujeito”, é falacioso, quando não mal-intencionado. Todo texto é uma relação de poder, em que sujeito-objeto-sociedade estão imbricados, influenciando-se reciprocamente.

Um exemplo para desembaraçar a exposição feita acima. Se analisarmos um exemplar de notória revista semanal brasileira da década de 70, perceberemos um discurso que apóia o regime ditatorial. Por que pressupor que a influência de tal natureza não esteja impressa no saber científico? Seria muita inocência negá-lá.

Por isso, já percebemos um dos níveis de influência: o Institucional (pode também ser percebida pela forma como você expressa esse saber – se mais informal, ou formal, recurso estilístico, suporte de divulgação, etc.). Agora, consideremos que o pesquisador esteja, ainda nesta mesma década de 70, vinculado a um movimento dito – me perdoem o termo reducionista e pouco preciso – “de esquerda”.

Pois bem, é evidente que esta influência estará disposta no seu trabalho, mesmo que ele queira escondê-la. Aqui, há a percepção da influência do sujeito do saber (de novo uso um termo reducionista, chamemos “subjetividade”).

Por fim, há a influência do “objeto”. Este não pode ser entendido como objeto, mas como sujeito, pois ele influencia o sujeito do saber (pesquisador).

Pode acontecer, no ínterim da pesquisa, que este “esquerdista” cientista, pesquise sobre os males que Mao trouxe para a China. O choque pode ser bastante grande, até mesmo abalar suas crenças ideológicas.

Devo assumir, Leitor amigo, que por tocar em algo tão batido, me senti meio bobo escrevendo os quatro últimos parágrafos. No entanto, foi fundamental, pois é exatamente esta relação rica e complexa (bem mais do que eu expus acima) que está em jogo no aviso que me foi dado: a total reificação deste processo.

A crítica aqui volta, não unicamente mas fundamentalmente, à hegemonização de uma lógica que encravou-se no Jornalismo, de uma produção científica em linha e ritmo industrial que sobrepõe o caráter artesanal, autoral e singular.

Todos nós sabemos disso na prática, antes mesmo de ler este textículo: pede-nos cada vez mais produção, e quase não se questiona a nível institucional a qualidade desta, sendo unicamente exigido que sigamos as regras metodológicas de cada campo-dependência do saber.

O importante é que passemos no mínimo um minuto rolando a barra para baixo enquanto estivermos visualizando nosso Lattes.

Dito isto, retomo para finalizar o aviso da(o) Mestra(e): “Se quiser mentir, Cristiano, minta usando números”. Valhei-me Zeus! Não somos um amálgama do Homem-de-Lata com o Espantalho, mas para assumirmos isso devemos antes deixar de ser como o Leão.

Sugiro simplesmente, considerando as formas de retalhação que a influência institucional tem sobre nós, que recorramos à tática tão conhecida das reviradas ideológicas em toda a História: descartemos a maioria da geração presente e dediquemos-nos à próxima.

Quando ela chegar, torço para que sejamos nós do outro lado da mesa, com condição e coragem para negociar com os detentores institucionais das verbas universitárias.

Por enquanto, apenas suponho o desconforto que é perceber os sussurros ou ler as pixações nos muros dos prédios das Ciências Humanas “nós sabemos, e não vamos replicar o mau exemplo”.

Texto escrito por Cristiano Rodrigues de Souza – Bacharel em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e aluno do curso de Mestrado em História pela mesma Instituição.