Para tentar esclarecer algumas dúvidas dos nossos leitores sobre os desdobramentos recentes da política da Capes/CNPq de possibilidade de acúmulo de bolsa de estudo e vínculo empregatício, entrevistamos Elisangela Lizardo, presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), que tem acompanhado de perto todos os últimos acontecimentos.

Pós-Graduando: Como a ANPG vê a possibilidade de acúmulo de bolsas e vínculo empregatício para os alunos de Pós-Graduação?

Elisangela Lizardo: Como dissemos à época que foi publicada a Portaria Conjunta n° 1 da Capes e do CNPq, em 16 de julho de 2010, e repetimos na nota da ANPG contra o cancelamento das bolsas, “a medida veio atender a uma demanda reprimida de centenas ou até milhares de pós-graduandos pelo país, entretanto, não admitiremos que a sua consequência seja um novo período de congelamento do valor das bolsas – que estão há três anos sem reajuste – de forma a promover a sua desvalorização”.

Assim, achamos a medida implementada pela Portaria positiva, no sentido de regulamentar uma situação pré-existente, mas acreditamos que não deve ser entendida como política de complementação de bolsa, pois a bolsa em si deve ser suficiente para o bom desenvolvimento da pesquisa. Por isso insistimos em uma campanha pelo reajuste do valor das bolsas, materializada principalmente por meio do nosso abaixo-assinado.

Pós-Graduando: A Capes e o CNPq afirmam que muitos programas realizaram “interpretações errôneas” em relação à portaria conjunta de julho de 2010, que permite o acúmulo de bolsa e vínculo empregatício para os alunos de Pós-Graduação. Segundo estes órgãos de fomento, quais seriam estas interpretações equivocadas?

Elisangela Lizardo: Na reunião com a ANPG, o professor Jorge Guimarães, presidente da Capes, disse que o principal problema era a autorização do acúmulo de vínculo empregatício com a bolsa em casos em que o pós-graduando sequer tem um orientador ainda. Como pelo próprio texto da Portaria o orientador é a figura que tem poder de decisão, casos assim estariam em situação irregular, mesmo se o programa houver autorizado o acúmulo, pois esta função não é do programa e sim do orientador. Entretanto, isso não significa que aqueles que estão irregulares perderão suas bolsas agora, pois a Capes ANULOU o Ofício Circular n° 32/2011 – CDS/CGSI/DPB/CAPES, enviado em 2 de maio aos pró-reitores de pesquisa e pós-graduação, por meio do Ofício Circular n° 7/2011-DPB/CAPES.

Pós-Graduando: Em maio de 2011, a Capes enviou aos Pró-Reitores de Pós-Graduação um Ofício Circular solicitando o cancelamento das bolsas ofertadas a alunos que já possuíam vínculo empregatício, circunstância esta que não era prevista na portaria inicial. Como fica a situação destes bolsistas?

Elisangela Lizardo: Os cancelamentos de bolsa foram TODOS ANULADOS pela Capes e agora a Capes e o CNPq vão realizar um levantamento da situação das bolsas no país para, aí sim, analisando caso a caso, corrigir as irregularidades. Aqueles que tenham consciência de que estão irregulares devem procurar organizar sua vida para o próximo período – que pode ser daqui a uma semana ou no semestre que vem – pois há grande possibilidade de que tenham, sim, as suas bolsas cortadas; mas aqueles que tiveram o vínculo empregatício autorizado pelo orientador devem batalhar para garantir as suas bolsas. Por ora, todas estão garantidas, segundo o Ofício Circular nº 7/2011 – DPB/CAPES.

Pós-Graduando: Após o envio do Ofício Circular, muitos programas decidiram cancelar a bolsa de alunos que começaram a trabalhar como professores universitários. Um bolsista pode trabalhar como professor em uma disciplina relacionada à sua pesquisa sem ter que abrir mão da bolsa?

Elisangela Lizardo: Em relação às novas regras – ou seja, o detalhamento de quais são as situações regulares e quais são as irregulares de forma mais detalhada – ainda serão anunciadas pela Capes e pelo CNPq, provavelmente nas próximas semanas. O que o professor Jorge Guimarães garantiu é que professores da educação básica pública não terão suas bolsas canceladas.

Pós-Graduando: Se um pós-graduando se sentir injustiçado pelo cancelamento de sua bolsa, que medidas ele deve tomar?

Elisangela Lizardo: Em primeiro lugar, o pós-graduando deve argumentar com o Programa e, se necessário, com a pró-reitoria de pós-graduação, que o Ofício Circular n° 7, enviado em 17 de maio pelaDPB/CAPES, ANULA o cancelamento das bolsas, portanto as pró-reitorias e programas NÃO PODEM cancelar as bolsas sob o argumento que existe orientação da Capes para tal. Caso haja dúvida, o pós-graduando deve insistir para que o coordenador do programa ou pró-reitor ligue para a Capes e/ou para o CNPq antes de prosseguir com qualquer cancelamento. Sugerimos que essas medidas sejam tomadas antes de qualquer encaminhamento que extrapole a interlocução dentro da universidade.

A manutenção de assembleias, manifestos, abaixo-assinados, a garantia da participação da representação discente nos debates e a formação de Associações de Pós-Graduandos (APGs – saiba como aqui) também se demonstraram um instrumento poderoso para impedir arbitrariedades.

Pós-Graduando: Muitos pós-graduandos acreditam que a permissão para o acúmulo de bolsa e vínculo empregatício pode ser usada pelos órgãos de fomento como desculpa para evitar o aumento no valor das bolsas por um período ainda maior. Existe esta possibilidade?

Elisangela Lizardo: Temos visto isto na prática e temos contestado tal política. O acúmulo do vínculo empregatício com a bolsa deve servir, por exemplo, a um professor da educação básica pública que, concursado, não pretende abandonar o seu vínculo mas quer se qualificar. O acúmulo deve servir também para o caso de um pós-graduando bolsista que se destaca e é convidado a assumir uma posição privilegiada no mercado de trabalho. Para que ele não tenha que abandonar seu projeto, é legítimo e importante para a própria universidade que este pós-graduando possa acumular sua bola com uma carga reduzida de trabalho, a fim de atraí-lo para terminar a sua pesquisa sem que tenha que perder uma oportunidade em um momento de ápice da sua produção intelectual. Esses são alguns exemplos do que a Portaria deve promover, mas obviamente não esgotam o universo de possibilidades.

O que não pode ser regra é a bolsa como complementação de renda. E isso vai ocorrer se não houver reajuste, pois as bolsas de mestrado e doutorado, por exemplo, estão há três anos sem reajuste. A nossa demanda é que as bolsas sejam reajustadas imediatamente e que o governo encaminhe para aprovação uma legislação que garanta reajustes periódicos das bolsas, de forma a obrigar aqueles que elaboram o Orçamento da União a considerar isso na hora de dividir as verbas.

Por isso realizamos a Campanha de Bolsas da ANPG, cuja pauta é o reajuste das bolsas de mestrado dos atuais R$ 1.200 para R$ 1.672,16 (39,34%) e as bolsas de doutorado de R$ 1.800 para R$ 2.479,78 (37,76%), conforme o texto doabaixo-assinado que já conta com mais de 42 mil assinaturas.

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Agradecemos à Elisangela Lizardo e à Luana Bonone, ambas da ANPG, pela disposição e auxílio em esclarecer nossos leitores.