Por Gustavo Steffen de Almeida*

O atual modelo de divulgação de resultados e disseminação de trabalhos científicos – bases da construção do conhecimento –, através de periódicos científicos de acesso limitado a assinantes, vem recebendo progressivas críticas.

Além do fato mais evidente de que quem não paga não tem acesso à vanguarda do conhecimento produzido, outros fatores menos explícitos são derivados diretos dessa lógica, como o monopólio que algumas poucas empresas de publicação têm sobre a disseminação do conhecimento.

Como bem mostrou um artigo de 2015 publicado no periódico PLOS One, cinco grandes publicadoras são responsáveis por cerca de 50% dos trabalhos científicos indexados na Web of Science.

Em algumas áreas o monopólio chega a 70%.

Diante desses e de outros pontos discutíveis relacionados ao acesso pago a artigos científicos, surgem as chamadas revistas open access (OA) – acesso aberto ou livre acesso, em tradução livre.

Essas publicações, como o nome sugere, estão disponíveis na internet para qualquer pessoa e podem ser lidas e/ou baixadas livremente sem que seja realizada cobrança ou requerida assinatura.

Sua proposta de tornar universalizado o acesso ao conhecimento produzido na academia vem ganhando cada vez mais adeptos.

O tema acaba de receber renovada importância com a recente notícia de que a União Europeia, através de seu Conselho de Competitividade, aprovou diretriz que encoraja fortemente que todas as publicações científicas dos países membros fruto de pesquisas financiadas por recursos públicos sejam disponibilizadas em acesso aberto até 2020.

O jornalista Martin Enserink afirma, em reportagem publicada pela revista Science em maio último, que existe forte pressão de alguns dos países membros para que a diretriz ganhe peso de lei.

“O [sistema] open access derruba os muros em torno da ciência e assegura que a sociedade se beneficie, tanto quanto possível, das descobertas científicas”, defende um dos líderes do conselho, o ministro holandês da Ciência, Sander Dekker.

O Brasil, assim como a América Latina, vem demonstrando pioneirismo na adoção de iniciativas de acesso aberto e na publicação de artigos sob esse modelo.

Dos periódicos latinoamericanos que compõem a base Scopus, 74% são OA.

Nosso país é um dos líderes mundiais em tornar o conhecimento que produz universal, de acordo com o número de revistas de acesso aberto constantes no diretório internacional de publicações desse tipo (DOAJ, na sigla em inglês).

De todos os periódicos brasileiros que utilizam o sistema de revisão por pares (peer-review), 67% são de acesso aberto, proporção maior do que a encontrada em qualquer outro país do mundo.

O pesquisador brasileiro Sílvio Carvalho Neto e seus colaboradores mostram, em um artigo recentemente publicado, que se um periódico brasileiro é bem avaliado em sistemas como o JCR ou Qualis, existem grandes chances de que este esteja disponível em acesso aberto.

Em outras palavras, as melhores revistas brasileiras são, predominantemente, OA.

A pesquisa do grupo de Carvalho Neto identificou que 95% das revistas nacionais que recebem conceito A1 ou A2 (as melhores notas que uma revista pode receber) na estratificação do sistema Qualis são de acesso aberto.

Um grande promotor das revistas de livre acesso no Brasil é certamente o sistema SciELO (Scientific Eletronic Library Online), que provê acesso gratuito a mais de 260 revistas científicas brasileiras, ibero-americanas e sul-africanas.

Além do aumento na visibilidade das publicações junto à comunidade científica, um aspecto positivo já observado desde a criação da inciativa, em 1998, é o grande número de acessos por usuários não ligados a instituições científico-acadêmicas, podendo chegar a 20-25% do total.

Isso sugere um importante papel desempenhado por inciativas como a SciELO na divulgação científica e no entendimento público da ciência.

No entanto, apesar dos nítidos pontos positivos, alguns tipos de problemas começam a ser apontados na esteira da publicação livre no Brasil e no mundo.

A principal crítica que, de uma forma geral, é feita quanto às publicações OA é que uma grande parte dessas publicações cobra para a publicação dos artigos.

A lógica é a oposta à das revistas de acesso restrito: ao invés de pagar-se para ler os artigos, paga-se para publicá-los.

Isso não seria, por si só, um problema.

Uma vez que o autor de um artigo aceita pagar para que seu trabalho seja visto por mais pessoas e atinja maior disseminação (e levando em consideração a necessidade das editoras de verba para se manter), não deveria haver, a princípio, grandes oposições.

O problema a que se referem as críticas é, no entanto, de outra ordem.

A cobrança para a publicação de artigos faz com que um periódico científico passe a ser um negócio lucrativo, e muitos periódicos são acusados de tornar mais frouxo e menos rigoroso seu processo de escrutínio para a aceitação dos artigos que publicam.

O motivo seria exatamente ter mais artigos publicados pelos quais cobrar.

A partir daí, pode-se deduzir que artigos científicos com pouco – ou nenhum – valor acadêmico têm chances de serem publicados.

Essas chances, infelizmente, não são pequenas.

No ano de 2013, o jornalista John Bohannon trouxe a público, por meio de uma matéria na revista Science, um experimento que realizara visando avaliar a criticidade dos critérios de seleção de revistas OA.

Bohannon elaborou um falso artigo anunciando a ação anti-câncer de uma hipotética molécula extraída de um líquen.

O artigo, além de ser cientificamente desqualificável por erros graves na metodologia e implausibilidade das conclusões, continha enganações explícitas, como o nome do próprio autor e a instituição na qual trabalhava, que simplesmente eram inventados, não existiam!

O artigo enganoso foi enviado a 304 revistas OA, das quais nada menos que 157 o aceitaram para a publicação, a maior parte sem solicitar qualquer tipo de melhoria ou alteração.

Os resultados fizeram Bohannon duvidar se haveria qualquer tipo de avaliação peer-review pela maioria dessas revistas.

A matéria se tornou um caso emblemático da fragilidade do processo de avaliação de muitas revistas OA e da permissividade com que publicam trabalhos sem qualidade nenhuma ou mesmo falsificações grosseiras.

Indo mais a fundo, o autor descobriu várias irregularidades e fatos obscuros sobre as revistas e suas editoras, como endereços imprecisos, corpo de avaliadores desatualizado ou falso e ligações pouco claras com grandes grupos privados.

Apesar de boa parte das publicações trazerem, no título, palavras que remetiam aos EUA ou a países europeus, eram sediadas geralmente em países de outros continentes (predominantemente asiáticos) o que demonstrava uma credibilidade duvidosa.

Outra informação preocupante é que dentre as revistas que aceitaram publicar o falso paper, muitas constavam em diretórios especializados que, em teoria, deveriam garantir um mínimo de qualidade entre seus membros, a exemplo do já citado DOAJ.

Para discriminar revistas que agem com pouco rigor científico ou movidas por interesses majoritariamente mercadológicos (e suas editoras) vêm-se utilizando a palavra “predadoras”.

Encontrando respaldo na necessidade e obrigação de publicar que move os cientistas a nível mundial, esse tipo de postura vem se se proliferando, uma vez que é bastante difícil distinguir quais seriam revistas com processo de avaliação sério ou não.

Não obstante, em defesa das revistas OA, algumas iniciativas se destacam pela alta qualidade e relevância de suas publicações.

Um bom exemplo são os periódicos do sistema PLOS (Public Library of Science), que além de seguir regras rígidas de revisão por pares na aceitação de artigos, propõe uma maneira inovadora de avaliar o reconhecimento dos trabalhos que publica.

Mais do que simplesmente limitar a qualidade de um artigo ao fator de impacto da revista e ao número de citações que recebe, o PLOS criou o que chama de Article-Level Metrics.

Nesse peculiar esquema, além das métricas tradicionais de citações do artigo nas bases indexadoras, são levados em conta outros critérios: o número de visualizações que o artigo recebeu em diversas bases de dados, o número de pesquisadores que “salvou” o artigo em programas específicos de referenciação, o grau de discussão que o artigo provocou em redes sociais e blogs de temática científica, e a recomendação do artigo por pesquisadores renomados em plataformas específicas.

Outra proposta bastante promissora é a eLife, uma editora on-line que vem inovando na publicação de artigos científicos. Propiciando acesso totalmente livre aos artigos, a eLife tampouco cobra para publicá-los (o que também acontece com grande parte dos periódicos constantes da já citada base SciELO).

Propondo um processo de avaliação rápido e descomplicado, ainda que sem abrir mão do rigor, a iniciativa vem ganhando atenção e críticas bastante positivas.

Tendo recentemente ganhado notoriedade por ter divulgado o achado do Homo naledi, uma das mais expressivas descobertas científicas da década, a revista não mensura a qualidade dos papers apenas pelo número de citações e não se fia ao fator de impacto como indicador mestre, promovendo uma avaliação qualitativa e quantitativa dos artigos através de parâmetros próprios, os quais considera mais abrangentes.

A iniciativa tem, como editor-chefe, o prêmio Nobel de Medicina Randy Schekman, o que certamente lhe confere considerável credibilidade.

Tendo em vista todos esses elementos, a discussão a respeito das publicações de acesso aberto pode estar ainda longe de um consenso.

Não há como negar, entretanto, que cada vez mais as revistas OA devem ganhar espaço.

Num cenário ainda incerto e problemático como o traçado, inciativas como as citadas acima podem servir como guia, rumo ao ideal almejado para o futuro da publicação científica.

Esta pode ser a alternativa entre a elitização concernente ao sistema de acesso restrito e a permissividade irresponsável e interesseira dos “predadores”.

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*Gustavo Steffen de Almeida é bacharel em Ciências dos Alimentos (USP), mestre em Ciência de Alimentos (Unicamp), pós-graduando em Jornalismo Científico pela Unicamp e autor do blog Ciência em si.