No calendário brasileiro não-oficial, ainda estamos naquele vácuo entre o Ano-Novo e o Carnaval. Para quem já está fazendo uma pós-graduação, o ano já começou faz tempo. Para quem acaba de ingressar, é inevitável bater aquela expectativa com o início dessa nova etapa na vida. Nesse momento, surge aquela questão tão simples quanto desconcertante: para quê, afinal, você faz pós-graduação?

Se você não tem uma resposta fácil na ponta da língua, não há motivo para preocupação. Casos de pós-graduandos em crise existencial no meio do percurso são bem mais frequentes do que as aparências dão a entender. A não ser que você seja pré-programado para desenhar a sua vida em uma trajetória em linha reta e sem desvios, é absolutamente normal ter essa dúvida. O problema começa quando deixamos essa dúvida continuar rondando nossa cabeça como o zumbido de um pernilongo psicológico que nunca vai embora.

A consequência disso é um cenário angustiante: ao invés de concentrar sua energia total nas atividades da pesquisa em si, o pós-graduando desperdiça tempo e cabeça com auto-questionamentos morais que trazem mais aflições do que caminhos concretos. “O que estou fazendo da minha vida?”, “Será que pós-graduação é mesmo algo pra mim?”, “A pós-graduação vai me levar para onde pretendo chegar?”. Que atire a primeira pedra quem nunca se fez esse tipo de pergunta.

Continuar por muito tempo nessa situação é tão aterrorizante quanto um apocalipse zumbi. A diferença é que zumbis são apenas ficções, enquanto sua carreira e sua vida são coisas reais demais para ficar brincando de tentativa-e-erro. Sendo assim, por que não tentar resolver essa questão logo de uma vez?

Antes de qualquer coisa, não custa nada lembrar algo tão simples quanto verdadeiro: o percurso de vida de cada um é algo muito particular – e não há nenhum motivo bom para excluir a pós-graduação dessa regra. Dito isto, quero compartilhar algumas intuições baseadas em observações puramente pessoais e sem nenhum pingo de pretensão à cientificidade.

Ao que parece, existem dois grandes perfis de pós-graduandos – para os quais ainda não consegui inventar ainda uma nomenclatura muito prática.

No primeiro deles se encaixam aqueles que buscam uma qualificação adicional para seu percurso individual. Esse grupo inclui as pessoas que percebem suas próprias limitações em seu campo de conhecimento e entendem que a pós-graduação pode sanar esses pontos fracos.

Muitas pessoas que já se formaram em um curso superior continuam interessadas em expandir seu repertório de saberes. Porém, a motivação que palpita nessas pessoas logo esfria frente só de imaginar a possibilidade de voltar para o cotidiano de um bacharelado, com colegas muito mais novos e sem os mesmos interesses e experiências para compartilhar. Nesse caso, fazer uma pós-graduação é a solução mais proveitosa.

No segundo grupo, há aqueles que apelidei internamente – sem nenhuma ofensa, é claro – de “herois da ciência”. São estes que devoram quantidades exorbitantes de artigos, capítulos, dissertações e todas as últimas publicações de sua área. Eles conhecem como a palma da mão todos os periódicos de destaque, suas datas e normas de publicação. Conhecem com intimidade os grandes debates da disciplina, detectam divergências epistemológicas sutis, enfim, têm o desenho completo do “mapa da área”. Não por acaso, são estes que estão buscando explorar novos caminhos e ultrapassar o que o estado de arte já admite como estabelecido.

Não estamos fazendo nenhuma etnografia da pós-graduação, mas acho que essa divisão parece explicar algumas coisas. Por exemplo, o segundo grupo parece ser bem mais suscetível à febre de publicação (publish or perish) enquanto o primeiro parece mais preocupado com a aplicabilidade prática da pós.

E você, se encaixaria em algum desses perfis? Concorda com essa divisão?