Você já parou para pensar em quê seu trabalho pode ser utilizado? Geralmente, iniciamos uma pesquisa analisando os benefícios da tecnologia, do processo ou do conhecimento que estamos desenvolvendo. Temos a concepção clara de que o produto de nosso esforço, de noites viradas, milhares de páginas lidas e dias a fio na biblioteca ou no laboratório será algo bom e trará melhorias para a sociedade.

Contudo, raras são as vezes em que pensamos: e se essa pesquisa cair em mãos erradas?

Existe ciência boa?
Um dos brasileiros mais conhecidos ao longo do século XX teve uma morte um tanto traumática. Alberto Santos Dumond, reconhecido nacionalmente por ter inventado o avião e internacionalmente como um dos primeiros aeronautas, morreu entristecido com o uso dado ao seu invento. A máquina que seria um dos grandes passos da humanidade, reduzindo distâncias, aproximando pessoas e tornando a vida mais fácil, foi usada, a partir da Primeira Guerra Mundial, como instrumento bélico. Seu criador, tomado pela depressão e tristeza, ainda tentou impedir que o avião fosse utilizado como arma. Sem sucesso, morreu angustiado.

Esse fato ilustra a ideia da nossa coluna de hoje: existe ciência boa e ciência má? Quais as implicações que o trabalho que desenvolvemos, com tanto carinho e dedicação, pode ter diante da sociedade? Será que nós já paramos para pensar no lado oculto da força?

Essas reflexões são importantes, sobretudo quando concluímos que não há ciência boa ou má: o produto do conhecimento humano não é garantia de melhoria ou destruição da sociedade, do meio ambiente, dos recursos econômicos… Todas as ciências são apenas instrumentos a serem utilizados pelos homens. Ciência é sempre objeto. A ação do sujeito humano é que determina o resultado da equação.

Pesquisa nossa de cada dia
Uma única pesquisa farmacêutica pode oferecer remédios para curar doenças ou selecionar quem viverá e quem morrerá. Uma tese em História ou Antropologia pode servir como recurso à emancipação das consciências e das instituições ou corroborar projetos estratégicos de dominação cultural. A Engenharia Mecânica pode desenvolver princípios que revolucionem a vida contemporânea ou sejam usados como recurso à subjugação, coerção e morte.

Independente da área do conhecimento, todos os nossos trabalhos estão sujeitos a usos pragmáticos para emancipação ou subordinação da sociedade. As investigações científicas realizadas são instrumentos disponíveis para finalidades maiores, por vezes não pensadas pelos pesquisadores que, a princípio, as desenvolveram.

Homem é sujeito, ciência é objeto
Ciências, técnica e progresso são palavras que costumam andar juntas, determinando-se mutuamente. Contudo, o progresso entendido como melhoria da qualidade de vida que resulta direta e naturalmente do desenvolvimento científico é uma ilusão. Toda ciência é uma ferramenta, um instrumento para uso dos homens. Do mesmo jeito que uma faca, ela pode ser usada para práticas cotidianas e fundamentais à vida ou para por fim à nossa própria existência. Portanto, antes de definir a linearidade entre ciências e progresso, é preciso pensar: o que é progresso e a quem ele atende?

Você já parou para pensar o que pode acontecer se o seu trabalho for utilizado para finalidades diferentes daquelas pensadas por você? Na bancada do laboratório, no campo ou na mesa da biblioteca, estamos apenas nós e nossas ideias, nossos idealismos e projetos. Mas o mundo costuma ser mais pragmático e precisamos estar preparados.

Sejamos nós os sujeitos que fazem ciências, em detrimento de sermos suportes para que ela simplesmente “aconteça”. E sejamos sujeitos críticos, afinal: e se a minha pesquisa cair em mãos erradas?