As greves dos órgãos federais são um capítulo interessante e em construção na história do país, entretanto, outro assunto tem chamado minha atenção nos meios de comunicação (principalmente o virtual): o debate sobre o Projeto de Lei da Câmara 180/2008 que reserva 50% das vagas das universidades públicas e escolas técnicas federais para alunos que tenham cursado todo o ensino médio na rede pública.

De um lado, os representantes do povo reivindicam condições “igualitárias” de acesso ao conhecimento para os menos favorecidos socialmente, de outro, sociólogos, antropólogos e jornalistas criticam (positivamente e negativamente) essas propostas. Será essa uma nova realidade onde se aplica a metáfora do sociólogo Betinho “a democracia esbarrou na cerca e se feriu nos seus arames farpados”?

A votação das cotas num cenário onde há três meses as universidades federais estão em greve e os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) apontam pouco avanço (eufemismo) no ensino médio do país, é no mínimo curiosa.

O que deveria ser uma medida alternativa utilizada até que a educação pública básica pudesse subsidiar uma formação de qualidade, que permitisse o ingresso nas universidades, ser proposto como lei é preocupante. Propostas como esta mascaram o problema ao invés de solucioná-lo, ao somar com a pouca valorização do profissional da educação evidencia-se o descaso do ensino e seu uso como barganha política.

Anos atrás, um diploma significava muito no mercado de trabalho, atualmente é necessário mais que isso para se tornar competitivo e aqui estamos nós, pós-graduandos, uma classe que “não trabalha”. Outro dia conversando com um amigo, formado por uma instituição federal militar e funcionário de uma importante empresa de petróleo, ouvi: “Você quer ser professora, isso é muito importante e admirável, pois, pessoas sonhadoras como você formam pessoas que querem ganhar dinheiro como eu”.

Se um dia essa importância ultrapassasse o discurso, talvez as greves não fossem mais necessárias. Qualquer um poderia sonhar em ganhar dinheiro. Ser professor no país seria motivo de orgulho e não de lamento. Pais desejariam ver seus filhos professores e não apenas médicos e advogados. A educação seria prioridade, a sociedade seria capaz de olhar e criticar sua realidade e não apenas “curtir” e “compartilhar”. Cotas seriam vistas como realmente são, mecanismos de separação.

Sim, eu quero ser professora, embora minha mãe, professora da rede pública com 20 anos de sala de aula (quando entrei na faculdade), tenha usado de todos os artifícios para me convencer do contrário. Sempre estudei em instituições públicas e com o mestrado finalizado me preparo para a seleção do Doutorado, observo as greves nas universidades e sim, eu apoio.

A carreira no magistério superior é tratada com pouco zelo (eufemismo), a “formação continuada” é incentivada através da restrição de benefícios apenas aos seus mais elevados níveis. O ingresso nas universidades é facilitado e por um sistema populista e pouco comprometido com a qualidade do ensino e dos profissionais que são formados.

Daqui a alguns anos, quando essas medidas refletirem na sociedade brasileira, os professores é que serão os responsabilizados por não conseguirem formar profissionais capacitados.

Diante deste cenário, sugiro que as Pós-Graduações nos preparem também para os alunos que virão, pois, nós é que receberemos os filhos das cotas. Uma educação que promova a igualdade e que seja um vetor democrático é feita com muito mais que sonhos e esmolas, mas com investimento e seriedade.

 

Texto escrito por Eline Garcia