Muitos de nós, pós-graduandos, ficamos surpresos com o corte de até 75% no financiamento da Capes a projetos de pesquisa. Quando o governo federal assumiu a política de austeridade para combater a crise, eu já estava esperando. Que as bolsas atuais tenham sido mantidas é um consolo, mas não muito.

O objetivo do governo neste ano é cortar 70 bilhões do orçamento, em uma economia que exauriu a estratégia de aumento de consumo interno como motor de crescimento e ainda não engrenou a estratégia de investimento em infraestrutura, somado ao clima de instabilidade política e aos jogos de poder para contê-la, fica uma escolha muito clara e simples aos donos do poder: devemos contingenciar o que é menos importante ou o que dará menos repercussão. E nesse caso, o financiamento da ciência é extremamente frágil.

Em primeiro lugar, não somos organizados o suficiente para fazer barulho. Levamos a produção científica do Brasil nas costas, mas passamos de 2 a 8 anos na Pós-Graduação. Não nos importamos porque não ficaremos lá, temos a esperança de passar em um concurso logo e não questionamos o ritual que nos leva até lá.

Para uma fatia da população que muitas vezes se orgulha de ser a “elite intelectual” do país, somos muito ingênuos. Fazemos nossas disciplinas e nossos experimentos, escrevemos relatórios e contamos com a gratidão de um sistema de pesquisa que nos vê como mão-de-obra barata, de uma sociedade que não nos entende, e um governo estadual e federal que nos vê mais como gasto do que como investimento.

E esse quadro não mudará, a não ser que façamos por onde. As outras peças estão confortáveis demais na situação atual. Por que nos ouvir se não falamos de forma que eles possam entender? Por que nos levar a sério, se não somos uma força política de peso? Por que se importar conosco, se a população que nos sustenta não entende o motivo de existirmos?

Em segundo, nossos programas de Pós-Graduação estão obsoletos há no mínimo uma década. Temos uma Pós-Graduação voltada principalmente para a manutenção do corpo docente. A crise nesse ponto é mundial.

Não deveríamos ser formados como doutores em nosso próprio projeto de pesquisa, especialistas em um subtópico de uma subárea da ciência. Deveríamos ser formados como Cientistas, o projeto como meio, não como fim. Deveríamos ser resolvedores de problemas, peritos em analisar o grande quadro, identificar os pontos-chave e sermos capazes de propor meios de resolvê-los.

As políticas atuais de inovação visam gerar lucro a partir do conhecimento cientifico nacional, isso é necessário, mas ainda é muito pouco e voltado apenas para mercado. E necessário que os programas de Pós-Graduação sejam não apenas centros de treinamento intelectual, mas centros de integração do conhecimento gerado com a sociedade.

É necessário abrir meios de comunicação com a sociedade, entender seus problemas e ser parte da solução. Nem todo doutor será professor universitário, mas todo doutor deveria ter um emprego adequado ao seu nível de educação.

Sem esses canais, sem esse entendimento da sociedade do por quê vale a ela pagar o que se exige, continuaremos tendo situações humilhantes de doutores escondendo seu título para concorrer a uma vaga de mestre em faculdades privadas, já que mestres ganham menos.

Somos frágeis pelo fosso que existe entre a academia e a sociedade e pela nossa falta de organização. Para muitos, somos irrelevantes. Este corte, e a nossa incapacidade de fazer frente a ele, expõe nossa situação.

É necessários nos reinventarmos, é necessário nos organizarmos, é necessário mostrarmos nossa importância. Para que cortes como esse não voltem a acontecer, não só pela dor de cabeça que poderíamos causar, mas para que nosso papel e nossa importância seja tão evidente que medidas como essa não serão nem ao menos levantadas.

Texto escrito por Willian Abraham da Silveira, doutorando em Ciências Médicas – Dept. G.O – FMRP – USP. Ex-presidente da Associação de Pós-Graduandos da USP do Campus de Ribeirão Preto

Nota do Editor (11/07/2015 – 20h40)
Após a forte reação do meio acadêmico ao comunicado da Capes aos reitores informando o corte de 75% das verbas de custeio da Pós-Graduação, com a publicação de cartas de repúdio por várias instituições, o Ministério da Educação recuou e publicou uma nota em que afirma que o corte agora será de 10% das verbas do Proex, Prosup, Reuni e Proap. Entretanto, o corte de 10%, em face à atual situação financeira das universidades estaduais e federais, ainda é preocupante, embora menos absurdo que os 75% iniciais.

É importante ressaltar que o secretário executivo do Ministério da Educação, Luís Cláudio Costa, durante o Seminário realizado pela Andifes em Brasília, afirmou que, em relação ao Proap, haverá uma “liberação de valores em três parcelas, sendo que a última depende da retomada da arrecadação pelo governo“.

Todos os pontos levantados no texto do Willian, entretanto, continuam pertinentes, independentemente do tamanho do corte nos recursos para a Pós-Graduação.