Como diria o dramaturgo romeno Eugène Ionesco, “não é a resposta que nos ilumina, mas sim a pergunta”.

Ionesco ficou famoso por lançar a arte do teatro do absurdo – onde cenas dramáticas eram interpretadas de forma cômica, enquanto situações cômicas eram interpretadas com dramaticidade, provocando confusão no pensamento da plateia.

Certos temas na Ciência também possuem esse poder de provocar confusão na cabeça dos pesquisadores – ou por serem pouco estudados, ou por apresentarem furos em suas explicações, ou por serem intrinsecamente difíceis de compreender.

Geralmente essa confusão é gerada quando começamos a estudar profundamente o assunto até identificar seus furos.

Esse estudo aprofundado é a etapa da pesquisa que costumamos chamar de “revisão bibliográfica”.

Afinal não é possível ter dúvidas ou questionamentos sobre algo que não temos o mínimo conhecimento.

Acontece que muitos cientistas iniciantes (e eu não me excluo dessa descrição) querem colocar logo a mão na massa e fazer o projeto acontecer!

Para isso, começam pensando no tema e no método e esquecem de uma etapa crucial: qual a minha pergunta?

O que quero responder com isso?

Sei que alguns devem estar agora pensando: “minha pesquisa é descritiva e por isso não preciso passar por essa etapa de pergunta”, “minha pesquisa é social, portanto essa etapa para mim é puramente trivial”, ou ainda “essa deve ser mais uma pesquisadora chata da ecologia querendo se meter no meu jeito de fazer pesquisa”.

Pasmem: já fiz pesquisa social, faço pesquisa descritiva e não sou da Ecologia – apesar de ter parado um tempo para ouvir o que esse pessoal tem a dizer.

Se você não desistiu de seguir lendo esse texto, posso lhe dizer que também já tive esse pensamento de ignorar totalmente a formulação do problema de pesquisa.

Mas hoje vejo que a busca pela pergunta está tornando minha pesquisa bem mais relevante e bem mais estruturada.

Por isso resolvi escrever um breve tutorial sobre a magia de encontrar um problema de pesquisa para chamar de seu.

1. Buscar por um problema de pesquisa vai te instigar a ler mais!

Muitos de nós costumam seguir as linhas de pesquisas dos laboratórios ou de nossos orientadores, que geralmente já possuem uma pesquisa bibliográfica prévia ou já nos direcionam para certos artigos.

Isso é muito bom, pois economiza tempo – o que na pós-graduação é algo tão valioso quanto dinheiro – mas pode causar comodismo.

Aproveite que a bibliografia está aí e tente caçar um problema de pesquisa nessas informações.

O que não foi respondido ainda?

Pode acreditar, você vai querer ler mais e com a vontade de inovar.

2. “Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?”

Buscar algo inovador com tanta gente produzindo Ciência não é tarefa fácil, então tente exercitar a se perguntar do óbvio ao mais complexo.

Dessas perguntas, veja quais já foram respondidas e quais dessas perguntas fazem sentido de fato – a falta de conhecimento sobre um tema nos leva a perguntas um tanto absurdas.

3. Encontrei o problema de pesquisa, mas está meio difícil para testar…

Um bom problema de pesquisa geralmente nos instiga a fazer testes. Observe a pergunta: “o melhoramento genético é capaz de tornar o feijão resistente às pragas?”.

Seguindo essa pergunta ao “pé da letra”, o pesquisador tem as repostas “Sim” ou “Não”.

O método já está incluso na pergunta e as discussões param por aí.

Vamos então reformular essa pergunta: “como tornar o feijão resistente às pragas?”.

Hipóteses possíveis: 1. Por meio do melhoramento genético convencional, com o cruzamento de cultivares comerciais com uma variedade de feijão silvestre resistente; 2. Por meio da produção de plantas transgênicas.

A partir dos testes, pode-se discutir a maneira mais acessível de tornar as plantas resistentes – o que pode gerar outros trabalhos científicos.

Estão vendo?

O jeito que você formula sua pergunta pode organizar seu raciocínio e te direcionar nos testes.

4. Posso fazer perguntas cujas respostas sejam “Sim” ou “Não”?

Pode, mas com cuidado para não fazer perguntas óbvias que gerem poucas discussões. Para trabalhos preliminares ou sobre um tema que pouco se conhece na Ciência esse tipo de problema de pesquisa é muito válido!

Mas para a pós-graduação é sempre bom ter trabalhos que discutam além da hipótese positiva ou nula. Se sim? Se não? O que podemos fazer a partir daí?

5. Quando o “sim” ou “não” não fazem o menor sentido.

Essa espécie é nova? O uso da aprendizagem significativa traz mudanças nas escolas? A composição de espécies de um ambiente muda com a estação? Praias urbanas são mais poluídas que praias afastadas dos centros urbanos? Sócrates contribuiu para a atual concepção da Filosofia?

Essas são perguntas que costumo chamar de “trapaceiras”.

Você não quer ter muito trabalho e faz perguntas que já sabe a resposta. Gera conhecimento científico, mas você pode fazer melhor!

6. Busque por entender o quê, como e o porquê das coisas.

Esse é um exercício que nós como cientistas e cidadãos temos que estar sempre atentos.

O quê? – quando queremos a definição e/ou definir certos fatos desconhecidos.

Como? – quando queremos estabelecer relações, descrever fatos relacionados.

Por quê? – quando queremos buscar explicações.

Se você começa a ler os artigos e fazer sua pesquisa com essas perguntas na cabeça, não vai demorar muito para acabar encontrando o problema de pesquisa para chamar de seu.

7. “Não preciso de um problema de pesquisa para publicar numa boa revista!”

Sempre ouvi essa frase. De fato, são poucos os artigos científicos que trazem explicitamente a pergunta a ser respondida ao longo do texto.

Mas todos os bons artigos trazem a(s) pergunta(s) disfarçadas nos objetivos, nos títulos ou mesmo nas discussões.

A pergunta não precisa estar no artigo diretamente, mas precisa estar clara na cabeça do pesquisador!

Se você tem uma pergunta na cabeça fica bem mais fácil estruturar sua pesquisa bibliográfica, sua metodologia e seus resultados e discussões. A pergunta na sua cabeça é a sua jogada de mestre.

8. Nunca se apegue às suas hipóteses!

Dá trabalho achar o problema de pesquisa, mas dá mais trabalho ainda formular sua hipótese. A verdade é que nessa etapa de geração do projeto você vai gastar muito tempo e produzir muito pouco – e nossa pressão por produzir sempre nos leva a um apego no pouco que encontramos, sendo isso verdadeiro ou não.

Vá se conformando: fazer ciência é como limpar uma casa, você trabalha muito, mas sempre vai ter poeira para varrer, banheiro para limpar e panelas para lavar.

É isso aí, galera: pé no chão e humildade para voltar atrás e fazer tudo de novo!

9. Sempre fiz pesquisa, mas nunca formulei um problema de pesquisa. Estou fazendo isso errado?

Não necessariamente. Pode ser que você tenha respondido perguntas ao longo de toda a sua carreira, mas nunca a devida atenção a elas.

Nunca é tarde para se questionar sobre certos temas.

Pense no que você descobriu e o que quer descobrir.

Quem sabe, isso pode te fazer sair das revistas B3 para revistas A1…

10. Sabe aquela sensação de que sua pesquisa não vai dar em muita coisa?

Se sua pesquisa não está gerando discussões, pano para manga para próximos estudos, começou ali e parou aqui – é porque tem algo de podre no seu processo científico.

Ou você não está exercitando seu pensamento científico, ou você sabe muito pouco sobre o que está trabalhando, ou tem falha na estrutura do seu projeto.

Tudo isso pode mudar à luz de uma boa pergunta!

Os poucos anos de pesquisa me ensinaram que por mais experiência que a gente tenha adquirido, sempre seremos iniciantes em algum aspecto.

O bom de ser sempre iniciante é estar sempre pronto para aprender algo novo, ser humilde o bastante para se permitir errar e ser sempre surpreendido por novas perguntas.

Como diria Carl Sagan, “não existem perguntas imbecis”.

Texto escrito por Jessika Alves, mestranda no programa de Pós-Graduação em Diversidade Animal – PPGDA UFBA. Ela escreve também para os blogs Isso não é Camarão e A vida Marinha