Ao longo do processo de produção de uma tese, o doutorando, enquanto sujeito de si, divide-se em dois “eus”: o eu-ingênuo e o eu-tese.

O eu-ingênuo é cheio de boas intenções, se emociona ao falar de suas ideias, tem aquela empolgação que cativa qualquer banca avaliadora. O eu-ingênuo é um sujeito otimista e feliz!

Enquanto isso, o eu-tese aguarda escondido, ansioso pelo momento de entrar no palco e roubar a cena.

O eu-tese é voraz, impetuoso e cheio de sede de poder.

Com o tempo, o eu-tese mergulha em seu frenesi mental de racionalizar sobre tudo, criar conjunturas, teorias de conspiração.

Os livros, textos e divagações filosófico-intelectuais são seu alimento e seu guia.

Ele se sente genial e se imagina na proa de um enorme navio gritando: Sou o rei do mundo!

Ele parece invencível e é extremamente sedutor.

Ele fala e tudo parece fazer sentido.

Em contrapartida, o eu-ingênuo começa a receber suas primeiras críticas e não são como ele imaginava que seriam.

Embora elas sejam demasiado duras, ele já começa a achar que a culpa é toda dele e pensa: eu não devo ter entendido direito, não estou estudando o suficiente.

O eu-ingênuo se ressente, fica triste.

A primeira dentre muitas vezes.

O eu-tese sente-se à vontade.

Os processos, a burocracia, as demandas dos outros parecem só preencher seu desejo de dominar as artimanhas daquele contexto.

Ele sequer percebe que está mergulhando de cabeça em águas profundas e frias.

E que no fim, no inevitável fim, ele vai congelar e afundar lentamente em direção ao vazio escuro.

O eu-ingênuo, a essa altura, não se reconhece mais.

De suas ideias, só restou o cinismo, que o deixou à beira do abismo, abismo este que cavou com os próprios pés.

A academia já triturou seus sonhos e reduziu suas ilusões à pó.

O eu-ingênuo, este que acreditava que o que importava mesmo é a boa vontade e o potencial, perde a batalha para o Senhor do capital simbólico.

O golpe de misericórdia se dá no momento em que os mais experientes dizem ao eu-ingênuo: “Você não pode dizer o que pensa, isso aqui é a Academia. Assim você não defende sua tese!”.

Então, enterrado pela frustração, o eu-ingênuo desenvolve um cinismo assassino, finalmente explodindo: defesa? Não sou eu quem precisa de defesa!

O eu-tese treme diante do eu-ingênuo, este anjo vingador cheio de ódio e rancor.

Ele ainda tenta argumentar: não vê o quanto de progresso fizemos? O quanto contribuímos para o avanço da ciência?

O eu-ingênuo, entretanto, avança implacável em sua direção.

Sem argumentos que possam conter a fúria apaixonada do seu oponente, o eu-tese ajoelha-se e implora por sua vida. Em vão…

O eu-ingênuo atira sem piedade.

E fim da tese.

Texto escrito por Mônica Alves Lobo – Nutricionista e Doutora em Educação em Ciências e Saúde