Salve leitores e leitoras deste sítio Web! Me pediram para tecer comentários a respeito de bancas de concursos.

E vou começar por dizer que já participei de várias nos principais níveis (adjunto, associado, livre docente e titular) de várias Universidades públicas Brasileiras (USP, Unicamp, UFPE, Ufal, UFRN e UEFS). Considero que compor bancas de concurso e de defesas é um dos meus compromissos mais importantes, e que impõe mais responsabilidade, pois é nelas que posso tentar direcionar os rumos de uma carreira e de uma Instituição.

Como costuma ser visto um concurso para quem está concluindo uma pós-graduação? Conheço vários pontos de vista, dentre eles:
Licença para Casar: a perspectiva de um contracheque razoavelmente pontual e da estabilidade funcional parecem ser um poderoso feromônio para quem está pensando em constituir família ou, simplesmente, para tirar o pé da lama chamada “bolsa de pós-graduação”.
Carta de Alforria: o concurso é, para alguns, a liberdade do regime de escravidão imposto pelo orientador.
Passo importante na carreira: obter a aprovação por pares para ingressar em uma Instituição na qual iremos construir boa parte das nossas carreiras.

Seja qual for a visão do/a candidato/a, o concurso se inicia com a chegada de vagas no Departamento ou Instituto. Se o Departamento for sério, haverá uma ampla discussão nas esferas mais representativas para decidir o destino dessa vaga. Em algumas Instituições, vaga para titular é discutida por titulares, por exemplo. Em outras, a discussão é limitada a quem é membro permanente de uma pós-graduação. O âmbito em que as discussões são feitas, e como elas são conduzidas, revela de forma inequívoca o naipe da Instituição.

Requisitos do edital
A discussão no âmbito do Departamento deverá versar sobre os prazos e requisitos, bem como sobre os assuntos do concurso e a banca.

Nos “requisitos” podem ser estimulados ou barrados certos perfis. Em um extremo, estão os Departamentos que “amarram” o concurso a diplomas de graduação, mestrado e doutorado em áreas bem limitadas do conhecimento (Graduação em Ciência da Computação, Mestrado em Engenharia da Computação e Doutorado em Informática na Educação, por exemplo). No outro extremo, há Departamentos menos preocupados com os diplomas e mais confiantes na avaliação dos/as candidatos. Estes últimos podem exigir apenas Doutorado em, digamos, Engenharia e Ciências Afins. Perfis muito específicos podem ora atender uma demanda particular, ora podem querer beneficiar certos candidatos em detrimento de outros. Cada caso é um caso, mas é bom para o candidato saber como o Departamento procedeu para saber o que lhe espera caso entre.

Os assuntos ou temas do concurso irão direcionar de forma mais detalhada o perfil da pessoa a ser contratada. Já vi concursos em que, novamente, o Departamento optou por dar mais valor ao histórico de publicações dos candidatos, e deixou os temas mais genéricos, e outros em que havia interesses específicos em certos temas.

Pessoalmente, não gosto de coisas muito amarradas nem nos diplomas nem nos assuntos. Sou dos que preferem avaliar candidatos/as pelo que publicaram e, se for o caso, pelos projetos que coordenam ou coordenaram.

Para o candidato a peça fundamental é o edital. Ele deverá trabalhar sobre esse edital da forma mais aderente e rigorosa possível. Uma boa dica é no sentido de organizar os documentos comprovatórios exatamente na ordem e na numeração em que cada item aparece no edital. Quando eu prestei concursos para titular fiz um estilo LaTeX que gera uma numeração configurável para cada entrada do memorial, e repliquei essa numeração nos sacos plásticos que compunham as pastas de documentos. Dá um pouco de trabalho no início, mas se torna fundamental para facilitar a tarefa e para produzir um conjunto de documentos bem organizados.

No edital constam os pesos relativos de cada elemento do concurso. No geral, são variações de (i) Títulos, (ii) Experiência profissional, que não inclui publicações, (iii) Publicações e atividades acadêmicas. Prepare-se para ser excelente em tudo, se você quer ser competitivo. Na hora da arguição enfatize aquilo em que você é bom, e não minta sobre o resto. Os pesos podem ser definidos pelo Departamento ou em instâncias superiores. Uma Universidade que prioriza a experiência profissional em detrimento da produção científica qualificada estará dando claros sinais que quer caminhar em direção a um colegião. Pense se é essa a Instituição em que você quer trabalhar.

Há, em geral, sorteio de pontos para prova escrita e para prova didática. Um bom costume é preparar cada ponto do edital como se ele fosse o resultado do sorteio, isto é, um/a candidato/a preparado/a chega ao concurso com (tipicamente) dez pontos estudados a contento para a prova escrita e com dez aulas magistralmente preparadas. Nada de deixar para improvisar. O improviso é muito perigoso quando se trata de disputar de forma competitiva aquela vaga que queremos.

A banca do concurso
Voltando aos preparativos do concurso ainda no Departamento, um ponto fundamental é o da composição da banca. Ela não pode ser plenamente decidida antes de conhecer os inscritos, já que parece haver restrições legais quanto à participação de avaliadores que têm algum tipo de relação com candidatos. O que o Departamento costuma fazer é preparar uma lista de possíveis membros para a banca, em ordem de prioridades, para chamá-los ou chamá-las uma vez encerradas as inscrições.

Ser membro de banca não é fácil. Aliás, é uma das tarefas mais difíceis que alguém pode encarar (com seriedade).

Banca boa é banca formada por pessoas de comprovada competência na área do concurso. Estou falando de competência acadêmica demonstrada através de publicações em periódicos internacionais indexados, não dos cinco critérios de anti-Midas (Beleza, Oratória, Simpatia, Trânsito pela comunidade e Aceite nas rodas de fofoca) que, com infinita tristeza, vejo empregar com certa frequência com consequências funestas, na melhor das hipóteses.

Banca boa é banca que é cumpre com o rito do processo, isto é, que respeita o edital e que ao mesmo tempo é capaz de avaliar dentre os candidatos aqueles mais promissores para o futuro do Departamento. Uma banca séria não passa por cima do edital, mas consegue a liberdade necessária para fazer a melhor escolha.

Banca boa é isenta de qualquer simpatia ou antipatia. Qualquer tipo de preconceito deve ser vigorosamente rechaçado. Qualquer tipo de favorecimento deve ser imediatamente denunciado.

Eu já soube de candidatos que se pouparam de denunciar desvios de conduta de bancas pouco escrupulosas, com receio de serem perseguidos por elas. Para eles o meu comentário: é melhor denunciar e não ficar nesse Departamento do que em algum momento ter essas pessoas inescrupulosas como colegas ou chefes. Procure coisa melhor, e bote a boca no trombone.

Alguns pontos que eu, quando componho uma banca, pondero como favoráveis:
1. Pontualidade é, ante tudo, uma demonstração de respeito. Se necessário pernoite na Universidade, mas não chegue atrasado.
2. Seja espontâneo e natural. Seja você mesmo. Se você é bom no que você faz, e se o Departamento é sério, as suas chances não são maiores por puxar o saco, aliás, deveriam ser menores…
3. Ensaie. Deixe o improviso para sessões de jazz e para o teatro experimental.
4. Seja objetivo. Não enrole. Responder “não sei, mas vou verificar” é melhor (para uma banca séria) do que inventar alguma resposta.
5. Conheça o Departamento. Alguém da banca pode perguntar por que você quer trabalhar nele, ou quais as suas perspectivas de interação com outros docentes.
6. Prepare um memorial (ou equivalente) impecável e que facilite a tarefa da banca.
7. Esteja pronto para falar da sua produção científica de forma contextualizada. Saiba falar para leigos e para especialistas sobre suas vitórias acadêmicas.
8. Esteja pronto para falar dos seus fracassos. Qual ideia sua não deu certo? Qual orientação foi um desastre? Saber sair dos atoleiros acadêmicos é uma virtude maior do que evitá-los.
9. Esteja pronto para responder a perguntas como, por exemplo, “por que o Departamento deveria lhe contratar?” ou “qual a diferença que você fará para o Departamento caso seja contratado?”.

Os pontos 2 e 3 acima parecem conflitantes? São conflitantes, mas a vida real é cheia de problemas dessa classe.

Mas voltando ao início do texto… você já parou para pensar que fazer concurso não é a sua única (e talvez nem a melhor) opção uma vez concluída a sua pós-graduação? Um pós-doutorado em uma instituição de ponta pode abrir novos e melhores horizontes, e lhe deixar melhor preparado para quando voltar. Há também bolsas para recém doutores em diversas modalidades; use-as como um test drive.

Finalmente, é bem provável que o seu primeiro concurso não seja o último. Eu fiz dois concursos públicos e dois processos seletivos, e estou vivo. O seu melhor futuro profissional está ainda por vir. Prepare-se para ele!

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Texto escrito por Alejandro C. Frery, professor titular da Universidade Federal de Alagoas e colaborador do site posgraduando.com