Nelson Bondioli

As vésperas da defesa da tese, muita coisa passa pela cabeça de um doutorando. Para mim, o mais marcante era – e ainda é – um (leve?) sentimento de inadequação, pois pude perceber que, infelizmente, o título de Doutor não vem acompanhado de uma compreensão melhor do mundo, da vida, do universo e tudo mais.

Nem mesmo esclarece muito sobre nossas escolhas pessoais ou demonstra um domínio holístico sobre a área científica da pesquisa, dada à especificidade dos trabalhos atuais.

Seria assim, em minha opinião, ótimo se houvesse uma Sociedade Secreta dos Doutores, diferente da existente na realidade que leva em conta que somos em torno de 0,1% da população do país e daí ninguém realmente saber que existimos – com exceção dos pais e familiares que foram celebrar conosco após a defesa.

Eu falo sobre uma “Sociedade Mística e Secreta dos Doutores”: uma vez defendida a tese, seria nos ensinado um toque de mão discreto, talvez alguns códigos que tornassem possível nos identificarmos em caso de necessidade.

Quem sabe provendo um mapa com alguns refúgios para os quais pudéssemos ir, ou pelo menos locais de reunião de grupos de apoio “D.A.”, formando uma rede de solidariedade entre seus membros.

Afinal, se chegar ao doutorado é difícil, temos que encarar o que vem depois: aqueles que tiveram o privilégio de realizarem seus estudos com bolsas de pesquisa, se encontram agora, possivelmente pela primeira vez, desamparados e tendo de enfrentar a realidade social do desemprego, ou seja, enviar centenas de currículos, esperar meses pelos resultados de propostas de bolsas de pós-doutorado ou ainda ter que aguardar para depois do ano eleitoral aquele tão sonhando concurso universitário que, invariavelmente, contará com uma única vaga para a sua área.

Nesse momento, uma rede de apoio seria realmente essencial.

Mas o que tornaria a Sociedade mais importante e urgente seria o seu caráter místico: passado o ritual da defesa, o iniciado seria levado a um local secreto onde ele seria posto de frente às regalias sagradas da sua área.

Auxiliado com os sacerdotes mais antigos, entraria em comunhão com o “grande espírito acadêmico” que revelaria verdades profundas sobre o seu caminho, e talvez pudesse responder questões quintessenciais como: “O que é que eu faço agora?”, “Quando esse parecer do projeto de pós-doc vai ser emitido?” e ainda “Em que lugar desse país vou conseguir emprego?

Na ausência desses mistérios superiores, entretanto, resta-nos apenas tentar controlar a ansiedade e levar um dia de cada vez – quem sabe amanhã não chega aquele e-mail da agência de fomento, ou a resposta daquela coordenadora do curso? Paciência já faz parte da nossa índole, afinal, chegar nesse ponto foi um trabalho duro de pesquisa, determinação e de (tentar) manter a calma.

Enquanto a Sociedade Mística e Secreta dos Doutores não existe – e espero que não exista, ao invés de simplesmente não ter sido convidado! – e as respostas não chegam de maneira fácil, a única alternativa é continuar nossa labuta, olhar pra frente e seguir esse caminho, aproveitando, porém, os espaços onde podemos contar e conhecer colegas que, passando por problemas, frustrações e aspirações semelhantes, tornam essa nova jornada mais compreensível, ou ao menos, menos solitária.