As transformações que vem ocorrendo na esfera do trabalho docente universitário, especialmente as instigadas pelos órgãos fomentadores na pesquisa no Brasil, trazem reflexos contraditórios sobre o Ensino Superior. No âmbito da pós-graduação, os critérios da CAPES servem como base para as notas dos programas das universidades, que recebem recursos de acordo com sua posição no ranking da área. Com isso, não estaria em curso um regime de competitividade entre as universidades e os agentes envolvidos com as atividades acadêmicas nesse âmbito?

O condicionamento do recebimento de verbas ao que é convencionado como “excelência acadêmica” tem instigado a criação de planos institucionais de metas por várias Instituições de Ensino Superior. Estes em alguns aspectos lembram os programas de qualidade-total surgidos a partir da ascensão do chamado toyotismo na esfera produtiva do mundo do trabalho. Exige-se dos professores uma polivalência permanente de atividades, que envolvem múltiplas orientações de trabalhos científicos (tanto em nível de pós-graduação como na graduação), produção de publicações, participação em órgãos colegiados ou direção de departamentos, constituição de grupos de pesquisa e tantas outras demandas, além das atividades de ensino às quais supostamente deveriam se dedicar.

As possíveis consequências para aqueles que não se enquadrarem no novo perfil de trabalhador docente não parecem promissoras. O risco de exclusão dos programas de pós-graduação; a possibilidade de tornarem-se periféricos nos espaços de decisão da universidade; a percepção institucional de que são elementos negativos (entraves) para o desempenho dos cursos e outros mecanismos de pressão têm se intensificado sobre os docentes para ampliar sua produtividade.

Sobre essa problemática tive a oportunidade recente de realizar uma investigação para minha monografia, a partir de entrevistas com professores concursados e estudantes de final de curso na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Através dela foi possível encontrar indicadores sugerindo que a pressão institucional sobre os professores da UFRGS para ampliar publicações é sentida por eles. Mais que isso, as condições de trabalho precárias também tem impacto negativo na saúde dos docentes, afetados por estresse, ansiedade e dores diversas no corpo.

Para quem vivencia o cotidiano universitário essas questões podem não parecer novas. Mas foi possível também observar um aspecto nem sempre levado em conta: com tantas atribuições inculcadas aos docentes (e sem tempo nem mesmo para o lazer), qual tempo sobra para dedicar-se ao ensino de graduação?

Uma das respostas tem sido a substituição em disciplinas dos professores responsáveis por monitores ou pós-graduandos, algo que tem crescido e se tornado prática recorrente na UFRGS. Apenas 21,7% dos estudantes entrevistados disseram que “nunca” tiveram disciplinas em que o professor foi substituído em boa parte das aulas do semestre. A maioria dos entrevistados (78,3%) já teve professores substituídos em algumas disciplinas em boa parte do semestre ou integralmente.

Todavia essa “não priorização” do ensino de graduação é também sentida quando os docentes estão presentes em sala de aula. Os estudantes pesquisados majoritariamente disseram estar insatisfeitos com as metodologias e didática dos professores. Mais de 90% considera que os professores poderiam dar mais atenção à preparação das aulas de graduação. Ou seja, apesar de alguns esforços localizados – como aumentar a pontuação do critério da didática para concursos públicos universitários – os dados sugerem que essa fragilidade ainda não cessou (ao menos não na UFRGS).

Seria isso um reflexo de uma possível acentuação unilateral na formação de pesquisadores no ensino superior em detrimento de uma formação omnilateral? De um número baixo de professores formados em condições de enfrentar os desafios não só da pesquisa, mas também do ensino e extensão?

Por ora não nos arriscamos a responder tal questão. Todavia, podemos refletir sobre os possíveis impactos de uma realidade de menor dedicação ao ensino de graduação em detrimento da pesquisa acadêmica, especialmente para a formação dos estudantes. As possíveis conseqüências mais profundas estão na subjetividade que pode ser derivada da lógica atual. Um estudante que é educado na sua vida universitária para não depender do espaço de sala de aula, pois não é nele que tem encontrado sua principal fonte de aprendizado, tende a individualizar cada vez mais seus estudos. Tende a ser um pesquisador “encapsulado” em todos os momentos da vida acadêmica, mesmo nos de aprendizagem. À que(m) serve essa lógica?

Se temos visto serem favorecidos os âmbitos da vida acadêmica em que a pressão econômica é maior, podemos afirmar que estamos atravessando um processo em que a “lógica do Capital” – conforme expressão cunhada por István Mészáros – avança para outros campos da vida universitária. No aspecto aqui abordado, de professores e estudantes apartados de sua unidade que os dá sentido no processo ensino-aprendizagem, trabalhando individualmente para a realização de objetivos muitas vezes alheios às suas reais necessidades e vontades.

Imersos na “roda-viva” acadêmica, talvez não consigamos avaliar a extensão dos efeitos da situação vigente. Contudo, é nos choques que temos vivenciado e que tendem a se aprofundar, que poderemos seguir chamando a atenção para os aspectos irracionais do modo de produção atual e da vida universitária, em particular. Quem sabe então consigamos promover as rupturas com padrões de desenvolvimento dependentes e historicamente ultrapassados. Quem sabe se derrotados e redirecionados possibilitem a emergência de políticas públicas para o ensino superior mais adequadas aos interesses da maioria da sociedade. Desse processo poderiam emergir modos de organização do trabalho e da vida social em consonância com as necessidades humanas, ampliando assim, nossas capacidades para o seu pleno desenvolvimento.

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Texto escrito por Glauco Ludwig Araujo, mestrando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.